Revista CNJ: Exercício do Direito deve levar em conta a realidade

Portal O Judiciário Redação
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O Direito não pode ser colocado no vazio abstrato dos axiomas consagrados pela tradição e entendido ou administrado sem considerar suas concretas e reais finalidades sociais. A opinião é do promotor de Justiça João Gaspar Rodrigues, crítico da atual formação de advogados no país.
Para o promotor, o ensino do Direito encontra-se centrado em uma lógica sofismada e em deduções abstratas. Em consequência desta formação, no Brasil, a fundamentação jurídica acaba dissociada do cenário lastreado pelos fatos e das interconexões necessárias.
Autor do artigo “A Fundamentação Jurídica e o Emprego Excessivo de Valores Abstratos na Atual Dogmática”, Rodrigues chama a atenção para o que classifica como forma apriorística autoritária. Parafraseando François Rigaux em “A Lei dos Juízes”, ele identifica que a base lógica da linguagem jurídica resulta em um desprezo soberbo das realidades subjacentes.
“Não há como confundir verdades derivadas dos fatos com verdades lógicas”, adverte o promotor no artigo publicado na mais recente edição da e-Revista CNJ. “Os fatos não se discutem, ou como diz o senso comum, contra fatos não há argumentos”, comenta.
Desta forma, segundo destaca o autor, a experiência desafia a linguagem jurídica bem como o Direito só opera após a passagem dos fatos. Ele acredita que decisões mais justas devem ser, portanto, construídas a partir dos dados e conceitos sociais.
“Princípios quando não são bem aplicados, com sabedoria e noção pragmática da realidade, constituem pesado fardo da tradição; fardo que embaraça, muitas vezes o progresso social”, adverte. Ainda segundo o autor postulados teóricos com elevado grau de abstração levam a deduções falsas e, portanto, a decisões concretas injustas e desprovidas de razoável fundamento.
Busca por interconexões
Portanto, o que se busca na fundamentação jurídica não é o conhecimento puro, solitário, autossuficiente ou caprichoso, mas a sua conexão com a realidade afetada pela decisão jurídica concreta. De acordo com o promotor, buscar interconexões entre os meios de percepção e a realidade é a grande missão da dogmática jurídica de perfil moderno.
“A racionalidade, se tem a pretensão de ser útil na aplicação do Direito, precisa se qualificar conforme parâmetros que lhes são prescritos pela razoabilidade”, defende. “O confronto com a realidade é o meio de prova mais eficiente de nossas convicções morais e lógicas”, acredita.
Senso prático
O promotor considera a natureza de uma decisão jurídica tão empírica quanto a aplicação das ciências úteis ao bem-estar humano. Neste contexto, o senso jurídico do decisor deve ser, acima de tudo, prático, pois decidirá sobre interesses humanos em contradição.
“A prova de um fato sob a luz do Direito não provém do puro pensamento: é um ato existencial, exige correlação entre a norma e o fato”, ressalta. Na opinião dele, fato e norma caminham integrados à observação sistêmica na aplicação justa do Direito.
O promotor salienta que uma fundamentação montada sobre postulados abstratos e genéricos, dissociada do cenário lastreado pelos fatos, não atende, plenamente, ao comando constitucional nem à atual dinâmica social.
“O desenrolar criativo da aplicação do Direito rumo à sua autotranscendência normativa não prescinde de um olhar generoso sobre a realidade na qual é chamado a agir”, conclui.
Texto: Mariana MainentiEdição: Karina BerardoAgência CNJ de Notícias

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