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Para Terceira Turma, indenização por falha de informação ao paciente não pode ignorar realidade da época dos fatos

O Judiciário
O Judiciário

Com base no reconhecimento de falha no dever de informação, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN) e condenou um cirurgião e um anestesista ao pagamento de danos morais à família de paciente que morreu após a aplicação de anestesia na preparação de cirurgia para correção de ronco.

Apesar de verificar a responsabilidade dos profissionais, o colegiado limitou os danos morais a R$ 10 mil para cada um dos dois autores da ação, por considerar, entre outros fatores, que o fato ocorreu em março de 2002, quando não eram habituais a prestação de informação clara e precisa ao paciente nem a participação deste na tomada de decisões médicas. 

O pedido de indenização foi julgado improcedente em primeiro grau. O TJRN reformou a sentença e condenou cada médico a pagar R$ 50 mil para os autores, mas depois, em julgamento de embargos de declaração com efeitos infringentes, restabeleceu a decisão de primeiro grau.

Direito à informação reflete autonomia da vontade do paciente

O relator do recurso especial da família, ministro Marco Aurélio Bellizze, explicou que a ação não está fundamentada em erro médico, mas na falta de esclarecimento, por parte dos profissionais, sobre os riscos e eventuais dificuldades do procedimento cirúrgico, tendo em vista que o paciente era obeso e tinha outros problemas de saúde.

Por essa razão, embora o óbito tenha ocorrido ainda no momento da anestesia – ou seja, a cirurgia nem chegou a acontecer –, o relator entendeu que não poderia ser afastada a responsabilidade do médico cirurgião, tendo em vista que ele indicou a realização do procedimento e escolheu o anestesista.

Segundo Bellizze, todo paciente tem, como expressão do princípio da autonomia da vontade, o direito de saber dos possíveis riscos, benefícios e alternativas de determinado procedimento médico, para que possa manifestar o seu interesse pela intervenção terapêutica de forma livre e consciente, exercendo o consentimento informado.

“Esse dever de informação decorre não só do Código de Ética Médica – que estabelece, em seu artigo 22, ser vedado ao médico ‘deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte’ –, mas também das regras dispostas na legislação consumerista, destacando-se os artigos 6º, inciso III, e 14 do Código de Defesa do Consumidor”, complementou.  

No mesmo sentido, o relator lembrou que a informação prestada ao paciente deve ser clara e precisa, evitando o chamado consentimento genérico (blanket consent), decorrente de comentários imprecisos ou formulados em termos excessivamente técnicos.

Evolução da medicina e da participação do paciente nas decisões

No caso dos autos, Bellizze constatou que os médicos não conseguiram demonstrar o efetivo cumprimento do dever de informação ao paciente sobre os riscos da cirurgia. Por isso, segundo ele, o TJRN só poderia ter modificado o seu primeiro julgamento – que reconheceu a responsabilidade civil dos profissionais – se houvesse prova cabal do cumprimento do dever de informação ao paciente e do consentimento expresso para a realização da cirurgia, o que não ocorreu.

Em relação ao valor dos danos morais, contudo, o ministro comentou que, ao longo dos últimos 30 anos, a medicina vem passando por uma significativa evolução, deixando para trás um modelo “sacerdotal” – em que o doente não participava da discussão sobre o tratamento – e adotando o modelo de “participação mútua” – no qual o paciente atua na tomada de decisão sobre o procedimento sugerido.

Hoje em dia, afirmou o relator, é comum se obter o consentimento livre e informado do paciente, inclusive por escrito e mediante informações detalhadas, especialmente no caso de cirurgias. No entanto, destacou, não há como ignorar que o fato em discussão no processo aconteceu há mais de 20 anos, “época em que não havia, ainda, a prática usual em relação à prestação de informação clara e precisa ao paciente”.

Leia o acórdão no REsp 1.848.862.

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