É a primeira vez que a Corregedoria Nacional de Justiça vai a São Gabriel da Cachoeira para uma correição extraordinária. Também é a primeira vez que um juiz do Amazonas finaliza uma cerimônia de casamento coletivo em quatro línguas, sendo três de povos originários.
O corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, participou da cerimônia civil do casamento coletivo de 26 casais indígenas de 13 etnias, realizada no final da manhã da última quinta-feira (20/4), em São Gabriel da Cachoeira, distante 852 quilômetros da capital. O município é considerado o mais indígena do Brasil por registrar a maior população autodeclarada indígena, conforme o último censo do IBGE.
O “sim” dos casais das etnias Baniwa, Dessano, Baré, Kubeo, Tuyuka, Tukano, Barassana, Tariano, Arapasso, Piratapuya, Ybamasã, Hupda e Wanano foi testemunhado também pelo ministro Mauro Campbell Marques, do Superior Tribunal de Justiça (STJ); pelo desembargador Jomar Fernandes, corregedor-geral de Justiça do Amazonas; magistrados das Corregedorias Nacional e Estadual de Justiça; pelo prefeito de São Gabriel da Cachoeira, Clóvis Saldanha, que é da etnia Tariano; e outras autoridades locais e lideranças indígenas.
O casamento foi celebrado pelo juiz-corregedor auxiliar do Amazonas, Áldrin Henrique Rodrigues, que iniciou a celebração lembrando que a ocasião lhe trouxe uma memória afetiva e externou sua gratidão e felicidade por estar diante de casais de várias etnias para formalizar esse momento importante de suas vidas. “Fico honrado por ter sido designado pelo corregedor-geral de Justiça do Amazonas para celebrar o casamento coletivo indígena em São Gabriel da Cachoeira, especialmente porque remonta uma memória afetiva, pois minha avó também era indígena”, comentou.
Ao se dirigir diretamente aos casais, que capricharam no visual, o magistrado também comentou sobre o amor, do sentimento que podemos entregar ao outro. “Compreender o outro é sempre muito mais difícil, é preciso tolerância, paciência e respeito”, acrescentou, enfatizando que o amor vence qualquer barreira. O magistrado elaborou, especialmente para a ocasião, um texto para os noivos, intitulado “Um lugar encantado”:
“Cedo a chuva se fez presente como se quisesse derramar bênçãos de Tupã sobre a terra. Guaraci, o sol, também quis presenciar o momento solene do amor. Os pássaros cantaram anunciando que haveria festa na floresta e novos enlaces. Estávamos, pois, diante de um lugar encantado com seres míticos que nem mesmo tínhamos tamanha dimensão da grandeza: as matas, a lua, o sol, a força da água e, o principal, a magia do amor que nos invadiu tão fortemente, fazendo-nos iguais e irmãos “manos ou parente”, sem patentes, sem títulos, apenas iguais, mas também únicos. Era um lugar encantado com sua história, suas línguas, cultura e povo, mas unidos por um único elemento: o amor.” (Áldrin Rodrigues)
Tradução
Ao realizar a clássica pergunta ao primeiro casal, se eles aceitavam casar-se, o questionamento a ambos precisou ser traduzido para a língua baniwa, pois os dois não entendiam o português. O juiz finalizou a celebração, declarando “casados” nas línguas tukano, baniwa e nheengatu, um dos momentos de grande emoção no Ceti Pedro Fukuyei Yamaguchi Ferreira, na sede de São Gabriel da Cachoeira. “A cerimônia buscou valorizar os povos originários, estudei e finalizei a celebração em quatro línguas: tukano, baniwa, nheengatu e português”, disse o juiz, que passou a ser o primeiro a finalizar uma cerimônia de casamento coletivo em quatro línguas, sendo três de povos originários.
“Iara pessuri pemendai uá”, palavras em nheengatu – língua falada por vários grupos de indígenas – e que em português significam “que seu casamento seja feliz”, foram ditas pelo mestre de cerimônia, Rony Santos, antes de chamar os recém-casados para a foto oficial.
O evento foi organizado pela Prefeitura do Município, através da Secretaria Municipal de Assistência Social, em parceria com o cartório extrajudicial de São Gabriel e com apoio da CGJ e do Tribunal de Justiça do Amazonas. De acordo com o Município, o projeto do casamento coletivo tem o objetivo de promover a regularização jurídica de casais que não tiveram condições ou oportunidade de oficializar a união.
“Desejo que construam o amor de vocês, que hoje vieram manifestar aqui, como se fosse uma casa bem firme, uma rocha. Que tenham muito carinho um pelo outro, junto com seus familiares, suas tradições e costumes e que sejam felizes”, declarou o corregedor nacional, ministro Luis Felipe Salomão, ao final da cerimônia.
Provimentos e apresentação
Um pouco antes de o casamento ser iniciado, houve uma apresentação cultural de canto e dança da agremiação Tuyuka para os presentes. Logo depois, o corregedor-geral de Justiça do Amazonas, desembargador Jomar Fernandes, assinou três provimentos relacionados às populações indígenas. O primeiro deles, o Provimento n.º 435/2023, estabelece a obrigatoriedade de cadastro no sistema Projudi de informações relativas à raça, etnia indígena, idioma falado e grau de compreensão da língua portuguesa.
O Provimento n.º 436/2023, estabelece o acompanhamento da Corregedoria-Geral de Justiça do Amazonas em relação às atividades desenvolvidas pela Vara Única de São Gabriel da Cachoeira, voltadas à garantia dos direitos dos povos indígenas. E o último, o Provimento n.º 437/2023, estabelece que o procedimento a ser utilizado pelos oficiais de Justiça no cumprimento de mandados de intimações e citações dirigidos à pessoa indígena.
Corregedoria em São Gabriel
Ao se dirigir aos casais indígenas, seus familiares, convidados e autoridades, o corregedor nacional falou sobre os objetivos da vinda ao município. “É a primeira vez que a Corregedoria Nacional de Justiça visita o município de São Gabriel da Cachoeira. Estamos realizando esse trabalho em conjunto com a Corregedoria-Geral de Justiça do Amazonas com a finalidade de verificar o funcionamento da Justiça neste município. Queremos saber como o Judiciário está atuando; se há o efetivo acesso à Justiça, sobretudo nesta região com tanta diversidade étnica. Queremos entender a realidade local e como e onde podemos melhorar para nossa satisfação, estamos começando com essa cerimônia de casamento”, comentou o ministro Luis Felipe Salomão.
O ministro Mauro Campbell Marques, do STJ, disse que levar pessoas consideradas formadoras de opinião ao Amazonas, principalmente a municípios como São Gabriel da Cachoeira, para conhecer a realidade do estado, dos povos originários e as dificuldades logísticas como um todo, representa uma oportunidade de “lançar luz” a esta terra, para iluminar as suas demandas e necessidades. “Espero que outros ministros – do STF, de Estado e outras autoridades, venham ao nosso estado e se sensibilizem com as dificuldades enfrentadas todos os dias pelas pessoas que aqui vivem; com as complexidades da região; as peculiaridades da vida do amazônida”, afirmou o ministro Mauro Campbell.
Além dos ministros e do corregedor estadual de Justiça, também estavam presentes os juízes auxiliares da Corregedoria Nacional Renata Gil e Márcio Boscaro; os juízes auxiliares da CGJ Áldrin Henrique Rodrigues e Rafael Cró; o juiz Flávio Henrique Freitas, titular da Vara de Crimes de Trânsito da Comarca de Manaus, designado para a correição extraordinária; o chefe de Gabinete da CGJ, Sérgio Amorim; e servidores do Poder Judiciário.
Texto: Acyane do Valle | CGJ/AM
Fotos: Acyane do Valle e Ascom/Prefeitura de São Gabriel da Cachoeira
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