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Garantir um tratamento individualizado a crianças e adolescentes em condição de vulnerabilidade requer mais do que os serviços de acolhimento institucional podem prover. O Brasil dispõe de inúmeras experiências bem-sucedidas que confirmam o acolhimento familiar como opção que carece de melhor coordenação institucional e de divulgação entre os operadores do direito e os brasileiros em geral.
“Precisamos avançar! Não faz mais sentido estarmos ainda explicando para a sociedade a importância do acolhimento familiar. Hoje a família acolhedora é um serviço e há imperativo normativo para que ele seja priorizado”, avaliou o conselheiro do CNJ e presidente do Fórum Nacional da Infância e da Juventude (Foninj), Richard Pae Kim, na abertura do “2º Encontro do Sistema de Justiça: a prioridade do acolhimento”. “Está na hora de darmos um basta. Já temos experiências, temos os casos de sucesso e tempos de mostrá-lo a todos. Neste seminário teremos debates sobre os curtos-circuitos, as boas experiências, e precisamos avançar sob o aspecto institucional e de formulação de estratégias”, concluiu.
Assim como o conselheiro, participantes do evento defenderam, na manhã desta terça-feira (15/8), um esforço conjunto para que o abrigo provisório de crianças implique na convivência com uma família e atenção individualizada. O encontro é uma iniciativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em parceria com o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), e segue até 18h.
O acolhimento familiar é uma medida de proteção prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e no SUAS para dar assistência a indivíduos que precisam ser afastados temporariamente da família de origem. Essa é uma medida excepcional e provisória e sua duração não deve ultrapassar, em regra, 18 meses. Nessa modalidade, diferentemente dos abrigos, onde trabalham educadores contratados, a criança fica sob responsabilidade de uma família previamente cadastrada no Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora (SFA).
Avanço
Para receber uma criança nessas condições, as pessoas passam por seleção e capacitação e são acompanhadas por equipe de profissionais até o retorno ao grupo familiar de origem ou o encaminhamento para a adoção. A família acolhedora tem a guarda provisória da criança ou do adolescente e estará vinculada a um programa oficial do SFA.
“O acolhimento familiar é uma política pública que está prevista em documentos, é um direito das crianças, dos adolescentes e temos, portanto, que partir, não só para a sensibilização, mas para agir de maneira enfática”, afirmou a promotora Mirella de Carvalho Monteiro, membra auxiliar da Comissão da Infância, Juventude e Educação (CIJE) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). “Estamos falando da garantia de direitos fundamentais, portanto, o gestor não tem discricionariedade sobre isso”, acrescentou.
Assessora da Secretaria Nacional de Assistência Social do Ministério de Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), Juliana Fernandes Pereira destacou a necessidade de uma coordenação entre os governos, o Poder Judiciário e a sociedade para que o acolhimento familiar se torne um serviço que seja prestado em larga escala. “Mudar o cenário do modelo institucional para o modelo familiar é um grande desafio e é preciso que as pessoas vençam a resistência em nome das vantagens que essa alternativa traz”, disse a assessora do MDS. “O ambiente é favorável ao avanço”, comentou, ao citar a legislação que dá sustentação à atuação institucional.
Solução ou problema?
Em seguida à abertura, a conferência internacional “Acolhimento familiar: solução ou problema?” reforçou os argumentos em defesa da convivência com grupos com mãe, pai e filhos. “É preciso que os tomadores de decisão saibam que é melhor para as crianças e adolescentes se desenvolverem junto a famílias em comparação com abrigos coletivos”, disse o doutor em psicologia e professor da Universidade de Sevilha, na Espanha, Jesús Palacios.
O tratamento individualizado, em contraponto à rotina dos abrigos coletivos, seria o diferencial que pesa a favor dessa modalidade. “Não se trata de um problema de vontade, mas da estrutura dos cuidados em grupo e do atendimento por cuidadores profissionais rotativos”, explicou o acadêmico. “Não é o que se necessita para um bom desenvolvimento, especialmente nos primeiros anos de vida, trata-se da configuração do ser humano”, destacou Palacios.
O professor entende, contudo, que as soluções precisam coexistir. “A prevalência deve ser da convivência com famílias porque o acolhimento institucional não responde às necessidades individuais, e é necessário para casos mais complexos, que requerem a adoção de recursos terapêuticos”, explica. “O histórico de adversidades acumuladas impõe maior dedicação, são situações especiais que demandam um tratamento especial, que atenda às necessidades específicas dessas crianças e adolescentes.”
Jesús Palacios, durante a sua exposição, compartilhou sua vivência profissional no acompanhamento do desenvolvimento de crianças e adolescentes espanhóis e estrangeiros em processo de adoção por famílias espanholas. Por meio de videoconferência, o professor defendeu a ideia de que as instituições brasileiras devem trabalhar juntas em prol do acolhimento familiar. “Experiências abundantes no Brasil mostram que onde há convicção e vontade, isso é possível, mas depende de uma ação coordenada entre os operadores do direito e os responsáveis pelos serviços sociais de proteção das crianças e dos adolescentes.”
Reveja o evento no canal do CNJ no YouTube
Texto: Luís Cláudio Cicci
Edição: Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias