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A inclusão de pessoas com autismo nas escolas, nos mercados de trabalho e nas políticas públicas de saúde marcaram os debates dos últimos três painéis do Seminário 10 anos da Lei Berenice Piana – conquistas e desafios, realizado na tarde desta quinta-feira (1º), em Brasília. Promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o seminário incluiu discussão sobre o desenvolvimento de altas habilidades de pessoas autistas.
No quinto painel, denominado “Reconhecer capacidades, impulsionar o desenvolvimento: as altas habilidades ou superdotação em pessoas com autismo”, especialistas trataram questões como a dupla excepcionalidade, que é presença de habilidades superiores em uma ou mais áreas. Mediado pela psiquiatra Raquel Del Monte, o painel ouviu o terapeuta ocupacional, José Otávio Motta Pompeu e Silva, que também é autista, e a psicóloga Cristina Maria Carvalho Delou.
A mediadora ressaltou que os extremos da inteligência, deficiência intelectual ou superdotação modificam a trajetória dos indivíduos com autismo. Por essa razão, os sistemas de classificação tentam incluir a superdotação, que não encontra um lugar nesse escopo classificatório e muitas vezes é inserida como um diagnóstico à parte quando é identificada.
O professor e terapeuta ocupacional, José Otávio, que recebeu o diagnóstico de pessoa do espectro autista depois dos 40 anos, afirmou que, ao longo da vida, teve uma série de crises de autismo, caracterizada por uma perda de controle emocional, sem que soubesse o que estava enfrentando. Ele chegou a ser preso durante uma crise no aeroporto Charles de Gualle, em Paris. “A Lei Berenice mudou a minha vida. Não sabia que era uma pessoa com autismo. Pessoas com autismo são pessoas com deficiência”, declarou.
Cristina Delou, psicóloga e professora de pós-graduação, formou sete alunos com autismo, de mestrado e doutorado em cursos diferentes na Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Fundação Oswaldo Cruz, ambas no Rio de Janeiro. “Não chegaram na universidade com diagnóstico. A partir das aulas, eles se autodiagnosticaram, o que foi confirmado logo depois por um corpo médico”, disse. A especialista afirmou ainda que o modelo de classificação do Transtorno de Espectro Autista (de alto funcionamento) e do Autismo Asperger é um problema para àqueles que precisam de um diagnóstico.
O autismo e as leis
A atuação do juiz, do promotor e do defensor público em demandas relacionadas à Lei Berenice Piana foi debatida no sexto painel do seminário, que contou com a juíza Élbia Rosane, do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA). Integrante da Comissão de Acessibilidade e Inclusão do Tribunal de Justiça de Goiás, a juíza Denise Gondim Mendonça, enfatizou que a Lei Berenice Piana e outras legislações voltadas para o tema melhoram o sistema judiciário. “O que falta é dar aplicabilidade às leis que protegem os autistas”, pontuou.
O defensor público do estado de São Paulo e coordenador auxiliar do Núcleo Especializado dos Direitos da Pessoa Idosa e Pessoa com Deficiência, Rodrigo Gruppi Carlos da Costa, falou da experiência do órgão ao qual está vinculado, no atendimento de pessoas com necessidades especiais. Gruppi lembrou da ação pública proposta no ano 2000 que determinou o atendimento a pessoas com autismo em locais especializados. “A ação inaugurou uma política pública, com viés de separação, com locais exclusivos para pessoas com autismo, cujo modelo ficou obsoleto. Hoje a regra é inclusão”.
Com experiência na atuação em prol das pessoas com autismo, o promotor de Justiça do Ministério Público da Bahia Fernando Gaburri de Souza Lima, que é deficiente visual, trouxe dados do IBGE sobre as pessoas com deficiência. De acordo com o instituto, em 2010, mostrava que 23,9% da população total tem algum tipo de deficiência. “Atualmente, estima-se que 1 a cada 44 pessoas nascem com TEA no país”, complementou.
Mercado de trabalho
O último painel discutiu, sob a mediação da juíza auxiliar da Presidência do CNJ Dayse Starling Motta, o tema Mercado de Trabalho – inclusão das pessoas com transtorno do espectro autista. Autor do livro Políticas públicas de proteção integral à pessoa com autismo no ordenamento jurídico brasileiro e a inclusão no mercado de trabalho, Ben Hur Botelho afirmou que 85% dos autistas não estão inseridos no ambiente laboral. “Inclusão das pessoas com autismo no mercado de trabalho é a materialização do direito dos autistas”, defendeu.
Já Patrícia Teodolina Gonçalves, neuropsicóloga e presidente do Projeto Fantástico Mundo Autista (FAMA), avaliou que a inclusão profissional deve ocorrer a partir do interesse, das habilidades dos autistas. “No momento da inclusão no mercado de trabalho, as famílias ficam muito aliviadas quando percebem que seus filhos conseguem trabalhar. Pessoas com autismo têm vínculo à rotina, habilidades específicas que são muito apreciadas pelas empresas”. Em quatro anos de projeto, 15 jovens autistas foram inseridos no mercado.
Encerramento
Na avaliação do conselheiro Mário Maia, idealizador do seminário, o evento foi muito simbólico e importante. “Hoje se formou um time, uma equipe, os poucos e os muitos que formarão uma grande rede estão unidos por uma causa. Isso irá gerar muitos frutos e nossos filhos terão uma vida digna e serão conhecidos como seres humanos. Pessoas sendo reconhecidas como pessoas”, concluiu.
Texto: Ana Moura
Edição: Sarah Barros
Agência CNJ de Notícias
Veja imagens do seminário sobre os 10 anos da Lei Berenice Piana:
Assista aos debates realizados na tarde de quinta-feira (1º/12):