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Uma pesquisa de campo elaborada para o Conselho Nacional de Justiça faz uma descoberta bastante preocupante: direitos assegurados a crianças e descritos no Marco Legal da Primeira Infância não têm sido respeitados pelo poder público quando a mãe está internada em uma unidade socioeducativa ou em quando é detenta em presídio feminino.
O Marco Legal da Primeira Infância atualiza trechos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), do Código de Processo Pena, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e a Lei da Empresa Cidadã entre outras leis, inclusive para garantir a atenção integrada, o cuidado e o desenvolvimento da criança nos primeiros anos de vida.
O cumprimento do Marco Legal pela Primeira Infância é o assunto em discussão no Link CNJ desta quinta-feira (6), às 21h, na TV Justiça.
O programa faz debate a respeito com duas especialistas que atuaram no estudo inédito: Paola Stuker, doutora em sociologia e pesquisadora sênior Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud); e Luciana Silva Garcia, doutora em direito e pesquisadora do Instituto de Economia Aplicada (Ipea) e professora do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP).
O Link CNJ também entrevista Ivânia Ghesti, doutora em Psicologia Clínica e Cultura, e analista judiciária em atuação no Conselho Nacional de Justiça. O programa ainda traz o depoimento de Deomar Barroso, juiz de Execuções Penais no Pará. No quadro Uma História, ele fala do depoimento especial de crianças, vítimas ou testemunhas de violência.
Toda semana, o Link CNJ traz um tema relevante para a sociedade e em discussão no Poder Judiciário, aborda a agenda de decisões do Conselho Nacional de Justiça e em tribunais de todo o país, além de apresentar as postagens do CNJ na última semana.
A edição desta semana será retransmitida na TV Justiça na sexta-feira (7h), no sábado (12h), no domingo (14h) e na terça-feira (7h30). O programa vai ao ar na Rádio Justiça nas noites de quinta-feira às 21h30, em Brasília na FM 104.7 MHz e via satélite. Todos episódios do Link CNJ ficam disponíveis permanentemente no canal do CNJ no YouTube.
Invisibilidade
A pesquisa discutida no programa, com título “Relatos da invisibilidade: representações de atores públicos sobre a aplicação do Marco Legal da Primeira Infância no cenário penal e socioeducativo feminino”, observou obstáculos à aplicação da lei foram observados em entrevistas de profundidade junto a 180 interlocutores do Estado e da sociedade civil em todas as regiões brasileiras, em capitais e cidades do interior, que lidam com meninas e mulheres privadas de liberdade gestantes ou com filhos de 0 a 6 anos.
De acordo com as percepções apuradas junto a 62 representantes do Poder Executivo municipal ou estadual; 40 membros do Poder Judiciário; 23 do Ministério Público; 23 da Defensoria Pública, além de 32 representantes da sociedade civil, a aplicação da lei depende do juízo de valor de atores que deviam garantir direitos a mães e crianças.
Conforme essas falas, mulheres presas “são vistas, sobretudo por membros do Judiciário e do Ministério Público, como ‘irrecuperáveis’, de modo que a relação materno-infantil pareceu ser mobilizada, em muitos momentos, como mecanismo adicional de punição”, descreve o relatório da pesquisa publicado na internet.
No caso das adolescentes, “haveria certa sensibilidade dos atores públicos em relação às adolescentes grávidas e lactantes”, mas “em vários momentos durante a pesquisa, o cerne do socioeducativo pareceu passar ao largo da socio educação, pois tem ganhado espaço a ideia de que as adolescentes seriam internadas para retribuir o ato infracional cometido, tal qual as mulheres presas deveriam penar pelo crime cometido.”
Consequências para as crianças
Conforme o relatório da pesquisa, prepondera uma visão contra meninas e mulheres sem liberdade que ignora as condições sociais que geram os conflitos com a lei. “Em vez de serem compreendidos como frutos de processos sociais, como os relacionados à feminização e racialização da pobreza, o crime e a infração tenderam a ser explicados por muitos atores, em especial do poder público, por uma chave individualizante. Isto é, tais atos seriam frutos de ‘más escolhas’ de mulheres e de adolescentes.”
O descumprimento da lei e a desatenção aos direitos dos filhos de mãe internada em uma unidade socioeducativa ou de mãe detenta em presídio feminino pode causar marcas definitivas na saúde e desenvolvimento das crianças, especialmente nas mais novas, na primeira infância (0 a 3 anos). Segundo o Unicef, os primeiros mil dias de vida representam uma oportunidade única e decisiva para o desenvolvimento dos seres humanos.
“Durante essa janela crucial de oportunidades, as células cerebrais podem fazer até 1.000 novas conexões neuronais a cada segundo – uma velocidade única na vida. Essas conexões formam a base das estruturas cerebrais e contribuem para o funcionamento do cérebro e a aprendizagem das crianças e criam as condições para a saúde e a felicidade delas no presente e no futuro. A falta de atenção integral – que inclui acesso à saúde, nutrição adequada, estímulos, amor e proteção contra o estresse e a violência – pode impedir o desenvolvimento das estruturas cerebrais”, assinala a agência das Nações Unidas.
Pacto Nacional
A importância da primeira infância e a necessidade de garantir direitos para o seu pleno desenvolvimento dos futuros adultos fizeram com que o Conselho Nacional de Justiça propusesse em 2019 o Pacto Nacional pela Primeira Infância, com vista a fortalecer as instituições públicas para promover a melhoria da infraestrutura necessária à proteção das crianças, e evitar riscos de não aplicação das leis que amparam esse população.
O pacto reconhece que “as condições socioeconômicas e institucionais desfavoráveis a que se encontram submetidas milhões de crianças de até seis anos de idade no Brasil constituem fatores de vulnerabilidade e risco ao usufruto dos direitos previstos na Constituição Federal, em seu art. 227, no Estatuto da Criança e do Adolescente, no Marco Legal da Primeira Infância – Lei n. 13.257/2016, entre outros.”
Atualmente, 312 instituições entre entidades da sociedade civil, do setor empresarial e de organismos internacionais, além dos Três Poderes da República participam do Pacto Nacional pela Primeira Infância.
No caso do sistema judiciário, as Varas de Infância e Juventude, Varas de Família, Varas de Violência contra a Mulher, Varas de Execução Criminal, Justiça do Trabalho, Promotorias de Justiça, Defensorias Públicas, Equipes Psicossociais Jurídicas são as principais instâncias que aplicam as leis para proteção das crianças e suas famílias em situação de vulnerabilidade.
O documento detalha que operadores de Direito e servidores desses órgãos participem de encontros regionais e capacitações para ampliar o conhecimento, para aperfeiçoar o uso da Lei e melhorar o atendimento. Além disso, a implementação pelo Poder Judiciário envolve a disseminação de boas práticas do sistema e a realização da pesquisa tratada nesta edição do programa Link CNJ.
Agência CNJ de Notícias