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O Judiciário ainda precisa estabelecer medidas para dar continuidade e aprofundar a implantação da Política de Priorização do Primeiro Grau de Jurisdição. Segundo dados do Relatório Justiça em Números 2023 (ano-base 2022), a maioria dos tribunais não alcançou a proporção entre a demanda processual e a força de trabalho estabelecida nas normas vigentes. As informações foram apresentadas durante a segunda Reunião Preparatória para o 17º Encontro Nacional do Poder Judiciário, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), nesta segunda-feira (28/8).
De acordo com conselheiro Giovanni Olsson, coordenador do Comitê Gestor da Política Nacional de Atenção Prioritária ao Primeiro Grau de Jurisdição, as cortes devem alinhar esse cumprimento à Estratégia Nacional do Poder Judiciário, a fim de alcançar sua efetivação. “Esses temas devem andar de mãos dadas em todas as políticas, projetos e ações dos tribunais brasileiros”, afirmou.
O Justiça em Números mostra que o primeiro grau concentra 93% do acervo processual, mas não alcança a mesma proporção de servidores, cargos e funções comissionadas, como previsto na Resolução CNJ n. 219/2016, que dispõe sobre a distribuição da força de trabalho nos órgãos do Judiciário de primeiro e segundo graus.
O conselheiro destacou que o primeiro grau tem um papel central e relevante, mas, dada sua capilarização e interiorização, nem sempre conta com estrutura de guarda de processos, de acesso à Internet e de outros serviços públicos que contribuem para a potencialização do papel de promoção de cidadania exercido pela jurisdição. “Com os dados produzidos pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ/CNJ), temos um retrato mais fidedigno dessa situação e como esses avanços repercutem ou se conectam com a Estratégia Nacional.”
Conforme a diretora do DPJ/CNJ, Gabriela Azevedo, a proporção de servidores, segundo os normativos, deve seguir a mesma proporção da demanda processual, mas os resultados do Justiça em Números apontaram que o primeiro grau responde por 86% dos casos novos ingressados no último triênio e por 84,8% dos servidores – que é uma proporção menor do que de processos. Do quantitativo dos cargos em comissão, 72% estão na jurisdição, com 55% em valores pagos aos cargos; além de 81% do número de funções comissionadas e 54% dos valores pagos pelo exercício das funções de confiança.
Os dados mostram ainda que a Justiça Estadual e a Justiça Militar Estadual possuem, proporcionalmente, mais servidores lotados na área judiciária do que demanda processual no primeiro grau de jurisdição, demonstrando índices mais altos de cumprimento da Resolução CNJ n. 219/2016.
Na Justiça Federal, na Trabalhista e na Eleitoral, ao contrário, a proporção de servidores é menor que a de casos novos. Na Justiça Federal, a de maior diferença, são 5,2 pontos percentuais entre o esperado (proporção de casos novos) e o realizado (proporção de servidores). Na Justiça do Trabalho, com 78,3% de casos novos e 75,1% de servidores no primeiro grau, o que resulta em uma diferença de apenas 3,2 pontos percentuais entre o exigido e o praticado.
Gabriela Azevedo destacou ainda que após seis anos da edição da resolução, nenhuma corte atingiu a equivalência das despesas destinadas com cargos comissionados. “Nota-se uma estagnação da política, com uma linha constante, basicamente. Os tribunais não conseguem atingir, por exemplo, a questão dos valores das funções e cargos em comissão. A regra é a mesma para todos. Nas despesas discricionárias devem seguir a proporção, mas não conseguem cumprir, pois não dispõem de orçamento proporcional à demanda processual”, pontuou.
Juíza do Tribunal Regional do Trabalho da 20ª Região (TRT20) e integrante do Comitê Gestor, Flávia Moreira Guimarães Pessoa, lembrou que a priorização do primeiro grau representa a efetivação da Justiça, o que justifica a quantidade de normativos sobre a temática. “Há dificuldades de cumprimento da Política, mas há medidas que podem ser estudadas pelos tribunais para atingirem o objetivo maior de priorização”, explicou.
Ex-conselheira do CNJ, Flávia apresentou as manifestações que os tribunais fizeram durante o Webinário “Resolução CNJ n. 219/2016 – Comitê Gestor da Política Nacional de Atenção Prioritária ao Primeiro Grau de Jurisdição”, realizado em maio. Entre elas estão a implantação da Residência Jurídica, autorizada pela Resolução CNJ n. 439/2022, que pode ser uma forma de se adequar à questão orçamentária.
Segundo Flávia Moreira, os tribunais também devem permitir o acesso e participação efetiva dos Comitês de Priorização na preparação, efetivação e no cumprimento do orçamento, de forma a garantir a transparência.
Nos locais mais distantes das capitais, é preciso implantar meios para que os servidores tenham interesse em permanecer nas varas. A sugestão é a utilização do trabalho remoto – que permite ao servidor, mesmo lotado em outra área, atender às demandas – e, se necessário, do teletrabalho, para a efetivação e cumprimento da resolução.
Para o conselheiro Olsson, há necessidade que os tribunais deem atenção à política, não apenas pelas razões de eficiência, efetividade e valorização dos quadros de pessoal, mas para alcançar o alinhamento com a Estratégia Nacional do Poder Judiciário. “A questão representa uma parte do quebra-cabeça da efetividade das políticas de aprimoramento do serviço público de Justiça. Mas não há uma resolução ou ação que funcione isoladamente”, afirmou.
Normativos
O CNJ instituiu a Política Nacional de Atenção Prioritária ao Primeiro Grau de Jurisdição pela Resolução CNJ n. 194/2014, com o objetivo de desenvolver, em caráter permanente, iniciativas voltadas ao aperfeiçoamento da qualidade, da celeridade, da eficiência, da eficácia e da efetividade dos serviços judiciários da primeira instância dos tribunais brasileiros. A norma considera que a sobrecarga de trabalho e o mau funcionamento da primeira instância estão entre as causas principais da morosidade sistêmica atual.
Já a distribuição do orçamento nos órgãos do Poder Judiciário de primeiro e segundo grau de maneira proporcional à demanda e ao acervo processual está prevista na Resolução CNJ n. 195/2014. E a Resolução CNJ n. 219/2016 determina que a distribuição de servidores (as), de cargos em comissão e de funções de confiança nos órgãos do Poder Judiciário de primeiro e segundo grau seja proporcional à demanda e cria critérios objetivos para cálculo da lotação paradigma das unidades judiciárias.
Em 2019, o CNJ lançou o Painel de Acompanhamento da Política, que permite monitorar a aplicação da Resolução CNJ n. 219/2016 de forma dinâmica, com dados expostos por tribunal. No Painel, são exibidas as informações a respeito do número de servidores (as), dos valores dos cargos em comissão e dos valores das funções comissionadas que devem ser alocados em cada grau de jurisdição.
Texto: Lenir Camimura
Edição: Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias