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O Superior Tribunal de Justiça (STJ) sediou, na terça-feira (14/11), o Seminário Justiça e Equidade Racial. O evento faz parte da 1ª Jornada Justiça e Equidade Racial: valorizando raízes, transformando futuros, que também prevê iniciativas no Supremo Tribunal Federal (STF), em todos os tribunais superiores, no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e no Conselho da Justiça Federal (CJF).
Percursos históricos da questão racial
Maria Paula Cassone Rossi, juíza auxiliar da presidência do STJ e integrante do comitê de governança do programa Humaniza STJ, abriu o evento destacando o compromisso com o dever de reparação histórica à população negra brasileira. “A equidade racial insere-se no projeto de construção de uma sociedade verdadeiramente plural, diversa e justa”, afirmou.
O moderador do primeiro painel, intitulado “Questão racial: percursos históricos”, foi Alberto Bastos Balazeiro, ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Para ele, a compreensão dos caminhos possíveis para transformar o futuro passa pelo resgate do passado. “É preciso reconhecer o impacto do passado escravocrata na sedimentação da secular exclusão da população negra em todos os espaços, notadamente nos espaços de poder”, avaliou.
Sob a perspectiva da cidadania, legalidade e dignidade humana, o professor do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) Marcos Vinícius Lustosa Queiroz contestou três silenciamentos que pairam sobre as relações entre direito e racismo no Brasil: o direito brasileiro não teve relação direta com a dinâmica de exclusão racial; o racismo não teria sido tão violento no Brasil; e a população negra não foi protagonista na construção do direito brasileiro.
“Por mais que haja rompimentos dos silêncios sobre racismo e se discuta liberdade e igualdade diante do racismo no Brasil, o que vemos, paradoxalmente, é uma escalada da violência sobre a população negra”, lamentou Queiroz.
Diretora de programas e campanhas da Anistia Internacional no Brasil, a advogada Alexandra Montgomery declarou serem necessárias ao sistema de justiça a promoção de ações antirracistas, a diversidade nas estruturas administrativas e a reflexão sobre práticas de privilégios. “Cabe aos órgãos de justiça repensar a presença do Estado na vida das pessoas negras, readequando suas práticas para que deixem de reproduzir o racismo sistêmico”, disse a diretora.
Equidade racial no Poder Judiciário
Mediado por Karen Luise Vilanova Batista de Souza, juíza auxiliar da presidência do CNJ, o segundo painel teve como tema “O Poder Judiciário e a tutela da equidade racial”.
O ministro do STJ Benedito Gonçalves apontou avanços na legislação brasileira, mas reconheceu o esforço que ainda deve ser empreendido pelos agentes do poder judiciário para que a igualdade racial seja plenamente alcançada. “O judiciário tem o papel de fomentar a igualdade de oportunidades, promovendo ações afirmativas. A busca por igualdade não se resume à criação de leis, mas também à sua efetiva aplicação”, asseverou.
Por sua vez, a desembargadora do Tribunal Regional Federal da 3ª Região Daldice Almeida afirmou que a justiça pode ser feita não apenas no âmbito do poder judiciário, mas em todas as relações sociais travadas ao longo da vida. Ainda assim, como última instância de efetivação de direitos, o sistema de justiça precisa estar preparado formal e materialmente para desconstruir o racismo. “A equidade racial deve ser fruto de reflexão permanente para que uma sociedade desigual seja transformada em uma outra minimamente equilibrada”, concluiu.
Ações afirmativas ajudam a mudar a atual realidade racial brasileira
O terceiro painel do seminário, intitulado “Equidade racial: ações transformativas”, foi mediado pelo jornalista da TV Globo Fred Ferreira.
O jornalista iniciou o painel refletindo sobre a necessidade de se propor medidas práticas para a resolução dos problemas relativos à equidade racial. Baseando-se em sua atuação como comunicador, Fred apontou que quando identifica algum problema social nas matérias que apresenta, ele busca também propor uma solução que o resolva. Segundo ele, isso vale para o cenário de igualdade. “Está péssimo? Que se conserte o quanto antes”, asseverou.
O juiz auxiliar da presidência do CNJ Edinaldo César Santos Junior comentou sobre o sentimento de solidão que sentiu ao ascender à magistratura, ao não encontrar outras pessoas com a mesma cor de pele que a sua. Apesar do incômodo, Edinaldo acredita que sua presença nesse espaço de poder é de grande importância para outras pessoas negras. “Eu precisava estar nesse lugar para puxar a mão de outras pessoas e fazer com que aquela realidade mudasse”, contou.
A juíza auxiliar da presidência do CNJ Karen Luise Vilanova Batista de Souza comentou que a falta de acesso a direitos por parte de pessoas negras não ocorre só no sistema de justiça, mas em políticas públicas – o que é acentuado no caso das mulheres. “Precisamos adotar políticas afirmativas, adotar ações intencionais e conscientes dizendo: Eu quero você! Eu quero uma mulher negra como magistrada, como ministra, como desembargadora”, disse.
A juíza auxiliar da presidência do TST Adriana Meireles Melonio acredita que a magistratura brasileira precisa representar os 55% da população de negros e pardos. Para ela, “não há como a gente pensar no direito do trabalho sem pensar em uma intersecção de gênero, raça e classe. As mulheres negras são as que estão na base da sociedade brasileira. As mulheres negras ganham 44% a menos que homens brancos”.
Os servidores do STJ Jéssyca Pacheco Pozzi e Alisson Santos de Almeida falaram sobre a criação do Grupo Temático de Igualdade Racial do programa Humaniza STJ, em 2020, com a finalidade de estudar a questão e propor debates e soluções.
Para Jéssyca, a comissão é uma forma de tornar coletiva a luta pela igualdade dentro do tribunal, para que todo esse grupo seja representado. Alisson contou que a Comissão nasceu da busca de medidas efetivas sobre a questão – pedido que prontamente foi acolhido pelo Administração. Com isso, “foi feito um diagnóstico em estudo pela Comissão, que apresentou como resultado o que já se sabia: pessoas pretas e pardas ainda são minoria dentro dos tribunais brasileiros”.
Exposição Cidadania Afro-Brasileira
Os participantes do seminário também puderam visitar a exposição Cidadania Afro-Brasileira, organizada pela Embaixada do Cameroun no Brasil. A mostra contou com a exposição de peças pertencentes ao acervo da embaixada, incluindo esculturas, quadros, vestes e máscaras.
Fonte: STJ