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Indígenas defendem necessidade de aproximação da Justiça com povos originários

25/04/2024 – “O que o Direito do Trabalho tem a aprender com os povos indígenas?”. Este foi o tema do segundo encontro do curso “Letramento em Diversidade: (re) pensando o Direito do Trabalho a partir dos Territórios”, realizado nesta quinta-feira (25), no Tribunal Superior do Trabalho (TST). O evento apresentou uma mesa-redonda aberta ao público e contou  com a participação de representantes dos povos indígenas, estudantes, autoridades, além de servidores do Poder Judiciário. 

Superar barreiras

O presidente do TST, ministro Lelio Bentes Corrêa, participou dos debates. Ele destacou que povos indígenas devem ser informados de seus direitos fundamentais para terem acesso efetivo à Justiça. Para que isso ocorra, segundo ele, é necessário superar barreiras linguísticas.

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Segundo o ministro, não apenas o Direito e a Justiça do Trabalho têm muito a aprender com os povos indígenas, mas a toda a sociedade. Ele destacou a perspectiva das culturas indígenas sobre os sentidos do trabalho: “A diferença está na finalidade do trabalho e na apropriação dos seus resultados. Não há, em sociedades indígenas, a exploração de uns sobre os outros, a alienação do trabalho, a competição inerente ao individualismo, o excesso, a acumulação desenfreada de riqueza, o desperdício, a submissão da existência ao consumo. Os povos originários produzem para viver, eles não vivem para produzir”, disse.

O ministro Cláudio Mascarenhas Brandão, diretor do Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Assessores e Servidores do TST (Cefast), que promove a capacitação, destacou sua relevância. “O curso lida com uma temática que nós não estamos habituados a falar. Hoje tivemos a clara compreensão da cultura indígena a partir do entendimento de que o ser humano, na verdade, é parte de um grande universo no qual está inserido, e que não domina a natureza, mas é parte dela.”

Aprendizado com os povos originários

A indígena e antropóloga Cris Julião Pankararu, líder e educadora indígena do povo Karipuna, com formação em Licenciatura Intercultural Indígena e mestrado em Letras, abriu sua fala com um alerta: “nós somos originários, nós somos resistência, então respeite nossa história”.

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Segundo ela, o objetivo de sua participação no evento foi indagar o que a Justiça do Trabalho está disposta , efetivamente, a aprender com os povos indígenas para se desprender de um sistema que ela considera “preconceituoso e negligente”. “O Direito do Trabalho está disposto a abrir mão desse comportamento, dessas atitudes, para pensar o Direito como acesso à justiça para todo mundo?”, questionou.

Compreensão da realidade dos povos indígenas

O  indígena do povo Pankararu, advogado, mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Paulo Celso de Oliveira, reforçou a importância da aproximação dos povos indígenas com a Justiça do Trabalho, “não só em uma perspectiva contratualista, trabalhista, mas de reconhecer e promover a diversidade e compreender a concepção dos povos indígenas”.

Paulo lembrou que os indígenas têm uma relação com os territórios que não se limita à ideia de um meio de produção, mas em lugar sagrado onde vivem, criam as suas famílias e cuidam do meio ambiente para as presentes e futuras gerações.

Além disso, para a cacica da aldeia Espírito Santo, no Amapá, e presidente da Associação das Mulheres Indígenas em Mutirão (AMIM), Janina Karipuna, é essencial que juízes e juízas conheçam a realidade dos povos indígenas. “Esse é um momento importante para mostrar que nós temos uma forma de ver o trabalho  diferente  daquela que o magistrado está acostumado. É uma região de difícil acesso, estamos no meio da floresta, longe da cidade. Lidamos com  os nossos trabalhos de forma coletiva e muitos deles não são reconhecidos, como os trabalhos dos pajés, dos curandeiros e das parteiras. O TST e os juízes têm que ter um olhar mais sensível para as lutas indígenas.”

Direitos dos povos indígenas

Na Organização Internacional do Trabalho (OIT), a preocupação com os direitos dos povos indígenas sob a ótica do trabalho data da primeira metade do século XX. O tema começou a ser tratado sob a ótica do enfrentamento ao trabalho forçado dessas populações.

Com o passar dos anos, a pauta vem se transformando. “Se antes era uma preocupação relacionada à não escravidão dos indígenas, especialmente pensando nos países colonizados, passou a haver uma preocupação em relação à integração dos indígenas enquanto trabalhadores”, esclareceu o advogado Paulo Celso de Oliveira.   

Segundo ele, esse é o conteúdo da Convenção 107 da OIT, de 1957, cujos preceitos foram transformados a partir da Convenção 169, de 1989, que já considera os direitos coletivos dos povos indígenas. 

Negação dos direitos humanos

A líder indígena da etnia caingangue, artista, jurista e diretora do Museu Nacional dos Povos Indígenas, Lucia Fernanda Jófej Kaingáng, explicou que a criação dos órgãos indigenistas no Brasil tem um histórico de negação de direitos humanos. “Nós temos direitos invisibilizados e negados”.

Ela apresentou um contexto histórico sobre a prática de extermínio e de retirada de direitos dos povos indígenas e observou que a reparação histórica nunca foi feita. De acordo com ela, em 1910 foi criado o Serviço de Proteção ao Índio e Localização de Trabalhadores Nacionais, que atuou para incorporar os indígenas no processo produtivo por meio de centros agrícolas e administrar os conflitos que resultaram do processo de especulação da terra. “Assim nasceu o direito do trabalho para os povos indígenas, com o trabalho escravo”, destacou.

Capacitação para a diversidade

O curso “Letramento em Diversidade: (re) pensando o Direito do Trabalho a partir dos Territórios” é voltado principalmente a servidoras e servidores do Poder Judiciário. A capacitação visa despertar no público uma reflexão crítica sobre o Direito do Trabalho a partir da diversidade, para ampliar a visão de mundo dos participantes com base em experiências e diálogos interculturais, estabelecidos com diversos atores sociais e em diferentes territórios políticos. Diversos encontros serão realizados. O primeiro ocorreu em março deste ano, com o tema “O que o Direito do Trabalho tem a aprender com as ruas?”.

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(Nathalia Valente/NP) 

  

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