Compartilhe
Três experiências bem-sucedidas voltadas a adolescentes em conflito com a lei e outra desenvolvida para atender mulheres vítimas de violência doméstica foram apresentadas na quarta-feira (27/9) durante o webinário “Disseminando Boas Práticas do Poder Judiciário”, voltado ao eixo temático “Sistema Carcerário, Execução Penal e Medidas Socioeducativas”. O evento é promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para estimular a replicação das práticas já aprovadas pelo Plenário do órgão e inseridas no Portal CNJ de Boas Práticas do Poder Judiciário.
Com o programa #PartiuFuturo, vencedor do Prêmio Prioridade Absoluta do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2022, os adolescentes entram pela porta da frente do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE). Desde 2018, quando foi concebido, 25 jovens de 15 a 19 anos já cumpriram medida socioeducativa na própria corte pernambucana.
Após encaminhamento pela Vara da Infância e da Juventude, a equipe do programa realiza uma seleção dos adolescentes juntamente com o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas). Os jovens têm a oportunidade de passar por um período de seis meses de aprendizagem em unidades do TJPE.
As despesas de transporte e alimentação são financiadas pelo Executivo local. De acordo com a coordenadora da Infância e Juventude do TJPE, juíza Hélia Viegas Silva, o programa hoje não tem custos para a corte, mas está em andamento uma licitação no âmbito do tribunal a fim de que mais adolescentes possam ser recebidos por meio do #PartiuFuturo.
“Muitas vezes o primeiro e único contato que o adolescente tem com o Sistema de Justiça é sentado ali, naquela condição de ser julgado, e esse projeto o traz para dentro do Sistema de Justiça. O acesso pode ter sido por meio de um ato infracional, mas ele acaba sendo introjetado no sistema de uma maneira muito linda e inclusiva”, comentou a juíza auxiliar da Presidência do CNJ Fabiane Pieruccini. “Acredito que seja realmente transformador para o cidadão sentir-se parte de um sistema e até mesmo entender por onde ele entrou e como ele pode sair”, acrescentou a magistrada, uma das moderadoras do debate.
Dar voz aos adolescentes
As outras duas experiências apresentadas no webinário visam dar voz aos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa. Uma delas, no Recife, prevê a realização de audiências concentradas, que consistem em dar visibilidade ao jovem, permitindo que ele de fato seja ouvido de forma ativa no processo de ressocialização.
São priorizados os adolescentes que estão em medida socioeducativa privativa de liberdade, ou seja, na internação e na semiliberdade, mas a prática também é aplicável nas medidas em meio aberto, ou seja, prestação de serviço à comunidade e liberdade assistida.
“A audiência concentrada fortalece a fiscalização dos programas de atendimento porque possibilita que o juiz veja o dia a dia daquela unidade”, relatou o coordenador de Políticas Socioeducativas do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema Socioeducativo (GMF) do TJPE, juiz Rafael Souza Cardozo.
Nessa oportunidade, conta o magistrado, o juiz compreende o trabalho das equipes técnicas e incentiva a participação dos adolescentes nas atividades pedagógicas e profissionais. “Verificamos um maior engajamento desse adolescente e a adesão aos serviços e programas que são ofertados”, aponta, acrescentando que antes muitos juízes aplicavam medidas desproporcionais para os adolescentes.
Desde 2016, quando começou o acompanhamento pela coordenadoria da infância, foram atendidos 3.932 jovens, sendo 2.984 de extinções ou progressões de medida (correspondendo a 75,9%). Em 2022, a prática recebeu menção honrosa na categoria Socioeducativo do 2º Prêmio Prioridade Absoluta do CNJ.
Implementada há 10 anos na capital, ela prevê a realização obrigatória das audiências no prazo máximo de seis meses. Em 2021, o CNJ fixou a Recomendação n. 98, que também prevê a reavaliação das medidas socioeducativas semestralmente e que as audiências concentradas aconteçam, preferencialmente, a cada três meses.
De acordo com o assessor de Políticas Socioeducativas do GMF do TJPE, Felipe Amorim Amaral Menezes, a normatização está em fase de ajustamento para que, além das audiências semestrais já obrigatórias pelo ato local, realizem-se as audiências trimestrais recomendadas pelo CNJ.
“A experiência de Pernambuco foi uma experiência fundamental para a elaboração da recomendação do CNJ. Foi na experiência de Pernambuco que nós bebemos, no ato normativo de Pernambuco que nós nos inspiramos. Nós visitamos in loco, conversamos com atores diretamente implicados com a prática da audiência concentrada, para que pudéssemos elaborar o nosso ato normativo”, enfatizou a assessora do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e Execução de Medidas Socioeducativas do CNJ Liana Lisboa, que também moderou o debate.
Entrevista de justificação
O juiz do Tribunal de Justiça de Rondônia (TJRO) Marcelo Tramontini conta que, quando assumiu a Vara de Execuções Penais da Comarca de Porto Velho, o adolescente que descumprisse uma medida socioeducativa era desligado do programa ou encaminhado ao juízo com a recomendação para que a medida fosse substituída por uma outra e até mesmo por uma internação.
“Como já tínhamos uma sessão com psicólogo e assistente social, tive a ideia, então, de iniciarmos nesses casos com audiência de justificação”, disse o juiz. Segundo ele, o comparecimento do adolescente ao ambiente formal, na presença de juiz, promotor e defensor público, não atingia completamente a sua finalidade para compreender o motivo do não cumprimento da medida em meio aberto, colocando em risco a própria liberdade.
“Na entrevista de justificação, a equipe ouve esse adolescente, chama a equipe do próprio programa, algum responsável, professores da escola, e desse ambiente de atendimento o adolescente já sai com a proposta de cumprir o programa, sendo reencaminhado”, explica.
Para assistente social do Núcleo Psicossocial de Apoio à Execução de Medidas Socioeducativas do TJRO, Fátima Aparecida da Silva, a entrevista é importante para entender o que está nos bastidores do programa socioeducativo. “Muitas vezes o descumprimento se dá pela falta de estrutura dos programas, tanto em termos materiais quanto humanos”, considera.
“A entrevista de justificação, realizada no espaço seguro, acolhedor possibilita conhecer os mais variados contextos vivenciados pelo adolescente e sua família. É um momento de expressão de pensamentos e sentimentos sobre questões pessoais e familiares que incidem diretamente no cumprimento ou não da medida socioeducativa”, complementa a assistente social do Núcleo Psicossocial de Apoio à Execução de Medidas Socioeducativas do TJRO, Fátima Aparecida da Silva.
Acesse os detalhes das práticas no Portal CNJ de Boas Práticas do Poder Judiciário
Proteção à mulher
Além das práticas adotadas por tribunais em prol da ressocialização de adolescentes que entraram no sistema de Justiça por conta do cometimento de uma infração, o webinário promovido pelo CNJ também apresentou o programa Maria da Luz, desenvolvido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN).
Desde fevereiro de 2021, quando o programa foi implementado na cidade de Currais Novos, nenhuma mulher foi morta por seu companheiro. Sete anos antes, no mesmo município, Fernanda Borges foi assassinada aos 27 anos pelo ex-marido ao chegar em casa, após ter peregrinado em vão por todos os órgãos do Judiciário, pedindo socorro por ele tê-la ameaçado mesmo já havendo uma medida protetiva contra o empresário.
Agora a sala de acolhimento à mulher do município carrega o nome dela. O espaço é equipado com TV e videogame para que seja um local adequado para as mulheres deixarem seus filhos no momento da denúncia. A sala foi construída em um local fora do fórum, com a utilização de recursos provenientes de penas pecuniárias.
“O programa Maria da Luz parte do pressuposto de que não adianta uma mulher ter apenas uma medida protetiva em mãos. É necessário que todo o sistema de garantia de direitos esteja fortalecido, esteja conversando, porque só assim a Lei Maria da Penha será efetivada”, explica o juiz do TJRN Marcus Vinícius Pereira Junior.
Até maio de 2023, cem mulheres foram atendidas pelo programa. Após a adoção de medida protetiva, as mulheres participam de todos os atos: são intimadas, participam da audiência de custódia e opinam sobre a concessão de liberdade aos agressores. Quanto aos homens, caso participem do grupo reflexivo, podem ser liberados do uso da tornozeleira.
Também com os recursos das penas pecuniárias, são realizadas feiras de negócios para a venda de produtos feitos durante cursos de aperfeiçoamento profissional que integram o programa. De acordo com o magistrado, essa foi a forma encontrada pela comarca – que compreende também os municípios de Lagoa Nova e Cerro Corá – de implementar uma política pública contínua para que essas mulheres tenham capacitação.
Enquanto a medida protetiva está em vigência, todos os meses, tanto vítimas quanto agressores recebem uma visita da equipe do Patrulha Maria da Penha. Durante as 24h do dia, há pessoas para atender aos chamados das mulheres. Os recursos de penas pecuniárias custeiam ainda aparelhos celulares disponibilizados para as vítimas. Os três municípios oferecem auxílio-aluguel para as mulheres e, quando há necessidade, transporte para um abrigo em Mossoró.
Assista à íntegra das apresentações durante o webinário “Disseminando Boas Práticas do Poder Judiciário” – Eixo temático “Sistema Carcerário, Execução Penal e Medidas Socioeducativas”
Agência CNJ de Notícias