Compartilhe
Ao longo de 18 anos de existência, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem trabalhado para promover e aprimorar políticas judiciárias que efetivamente concretizem direitos fundamentais definidos na Constituição Federal. Na área da infância e da adolescência, a atuação do órgão ampliou a iniciativa da Justiça para garantir o direito à voz para crianças e adolescentes vítimas e testemunhas de crimes.
A consolidação do chamado depoimento especial no Judiciário chegou ao campo legislativo e inspirou a Lei n. 13.431/2017. A norma federal estabelece o Sistema de Garantia dos Direitos da criança e do adolescente (SGDCA) vítima ou testemunha de violência e torna obrigatória a oitiva dessas pessoas pelas “técnicas de escuta especializada e depoimento especial”. O texto institucionalizou a realização da escuta protegida, que, antes da lei, muitos juízes e muitas juízas já adotavam com base na Recomendação CNJ n. 33/2010.
Entre as diretrizes, o Conselho recomendava a implantação, pelos tribunais brasileiros, de sistemas apropriados para colher o depoimento de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência nos processos judiciais. O ato normativo também indicava a preparação de ambiente adequado a esse tipo de depoimento que garantisse segurança, privacidade, conforto e condições de acolhimento.
“Em sua história, o Conselho Nacional de Justiça vem dando tratamento especial à temática da infância e da adolescência, buscando o aperfeiçoamento e a efetiva implantação das políticas judiciárias respectivas, o que se mostra evidente no caso do depoimento especial”, ressalta a juíza auxiliar da Presidência do CNJ Lívia Peres.
A recomendação do CNJ deu visibilidade e permitiu a unificação do depoimento especial no Brasil, a partir da experiência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), seguido posteriormente pelos tribunais de São Paulo, do Distrito Federal, do Maranhão, de Pernambuco e do Espírito Santo.
Em 2019, o Conselho regulamentou a Lei n. 13.431/2017 por meio da Resolução CNJ n. 299. “Essa norma é uma conquista histórica e representa a importante contribuição que o CNJ tem dado ao longo de sua existência para efetivar medidas de atenção adequada às crianças e aos adolescentes, em especial quando são vítimas de violência doméstica e sexual”, afirma o presidente do Fórum Nacional da Infância e Juventude (Foninj), conselheiro do CNJ Richard Pae Kim.
Por meio do Fórum, o CNJ coordena o Pacto Nacional para cumprimento da nova lei, em que se busca o atendimento integrado com outras instituições para que crianças ou adolescentes sejam protegidos de sofrimentos, incluindo a violência institucional no curso do processo.
Povos tradicionais
Do protagonismo assumido com a edição da Recomendação CNJ n. 33/2010, o CNJ incorporou o reconhecimento da diversidade nas infâncias ao publicar a Resolução CNJ n. 299/2019. O normativo trouxe regras específicas para o depoimento especial de crianças e adolescentes de povos e comunidades tradicionais vítimas e testemunhas de violência.
Em 2021, foi lançado o Manual Prático para Depoimento Especial de Crianças e Adolescentes de Povos e Comunidades Tradicionais. O documento, desenvolvido pelo CNJ em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), reforça a importância de, além da idade, os procedimentos de atendimento a crianças e adolescentes considerarem os contornos interculturais e contemplarem as especificidades linguísticas e socioculturais dessas comunidades.
A juíza Lívia Peres explica como as orientações do Manual servem de diretrizes para customizar o atendimento e a prática de atos processuais, de acordo com as especificidades das etnias. O Manual foi resultado de projeto-piloto realizado durante sete meses com quatro tribunais de Justiça – Bahia, Mato Grosso do Sul, Amazonas e Roraima.
Acolhimento
A percepção de que a criança necessita de um ambiente adequado para expor o que sofreu ou viu é rememorada pelo desembargador José Antônio Daltoé Cezar, atuante no Juizado de Infância e Juventude da capital gaúcha, Porto Alegre. Em 2003, o magistrado somava 15 anos de trabalho na comarca e avaliava como infrutíferas as audiências com crianças e adolescentes vítimas de violência – na maioria, sexual.
“A criança ficava inibida em um ambiente nada acolhedor diante do juiz, do promotor, de advogados e testemunhas. Dificilmente conseguíamos colher o depoimento da criança ou do adolescente”, relembra. Ele teve a ideia, então, de comprar por conta própria uma câmera de vídeo e um microfone e instalar em outro local do tribunal. “Montamos a primeira sala de audiência para a criança ser ouvida apenas com a presença de uma psicóloga”, relata.
A partir dessa ação e, anos depois, com o envolvimento do CNJ, o que era conhecido como depoimento sem dano, foi transformado em depoimento especial. Após colher o primeiro testemunho com sucesso, Daltoé levou a ideia ao superior hierárquico. “Em pouco tempo, 10 comarcas do Rio Grande do Sul e de outros estados começaram a implantar salas equipadas para receber as vítimas menores de idade.”
No avanço dos esforços para ampliar as iniciativas da Justiça em prol das crianças, Daltoé salienta a importante participação do CNJ na evolução do depoimento especial. “O órgão procurou concentrar a capacitação de todos os agentes que atuam, principalmente juízes e servidores, além de cobrar dos tribunais de Justiça a implantação de mais salas e o aumento no número de profissionais capacitados para proceder à escuta qualificada”, destaca.
A sala de depoimento especial deve estar adaptada para que a vítima ou testemunha sinta-se mais acolhida e confiante para contar a sua história. As declarações são colhidas por profissionais especializados, enquanto juízes, promotores e advogados assistem ao depoimento em outra sala por meio de equipamentos eletrônicos. O psicólogo ou outro profissional capacitado não substituirá a autoridade do juiz, mas funcionará como facilitador da coleta de provas.
Por meio da plataforma de ensino à distância, mantida pelo Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Servidores do Poder Judiciário (CEAjud/CNJ), mais de 4 mil profissionais da rede de proteção à infância foram capacitados. Outro avanço é na quantidade de salas preparadas para colher o depoimento especial. “No ano de 2003, havia apenas 10 salas. Hoje são mais de mil espalhadas por todo o país, assegurando uma escuta protegida”, contabiliza o desembargador Daltoé.
Texto: Margareth Lourenço
Edição: Sarah Barros
Agência CNJ de Notícias