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A abordagem da primeira infância não deve estar focada no indivíduo, mas sim na organização da sociedade e das instituições, que devem zelar para que esse sujeito de direito, resultado de relações jurídicas, possa ter a sua proteção garantida, independente de avaliação moralista, que não seja baseada no Estado laico, de direito e no conjunto das leis que o Brasil sustenta. A tese defendida pelo ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, durante a conferência magna do Seminário Comemorativo dos Quatro Anos do Pacto Nacional pela Primeira Infância, na sexta-feira (22/9), afasta, segundo o ministro, personalismos e visões de famílias que não sejam aquelas contempladas pela lei.
Ao palestrar sobre o respeito à diversidade e à primeira infância como direito humano, Silvio Almeida enfatizou que essa etapa da vida comporta várias formas de existir. Nesse sentido, o Marco Legal da Primeiro Infância (Lei n. 13.257/2016), ao dispor sobre as políticas públicas para a primeira infância, é o ponto de partida para reflexão sobre o tema. “A criança é sujeito de direito que exige certos deveres do Estado, decorrentes do ordenamento jurídico brasileiro e resultantes de uma série de relações jurídicas, para que possa ter a sua proteção garantida”, detalhou.
A lei trata das garantias para a primeira infância, mas se soma a um conjunto de outras garantias e de direitos contemplados no ordenamento jurídico brasileiro. “Todas as decisões que dizem respeito à maneira como o Estado Brasileiro se organiza dizem respeito às crianças e não apenas aquelas direcionadas a elas”, pontuou o também advogado e professor universitário.
No seu entendimento, não há como falar de política de combate à fome, de educação e de saúde se a criança não for levada em consideração na construção dessas iniciativas. “Não é apenas olhar para a criança, mas para tudo que os sistemas jurídico e político apresentam, com a possiblidade de abrigar diferentes culturas e crenças, independentemente de cada particularidade”, salientou.
O ministro Silvio Almeida avaliou que isso exige também compromisso com a ciência. “Tem que tomar vacina, não é decisão dos pais, é dever do Estado Brasileiro proteger as crianças, com tratamento de saúde adequado e cuidados profissionais”, repetiu. Para isso, ele reforçou a necessidade de capacitação permanente dos profissionais. “Os cuidados destinados às crianças não devem ser só por vocação, é necessário ter conhecimento, estudo, com atendimento em espaços institucionais em que a diversidade, a pluralidade e a multiplicidade sejam normalizadas”, disse. “Ser criança branca não é igual a ser criança negra. No Pacto pela Primeira Infância, precisamos falar sobre as diferenças que formam o nosso país”, disse.
Ele ainda destacou que as questões econômicas, não só a cor da pele, acionam uma série de consequências sociais e políticas na vida da família daquela criança. “Precisamos falar da construção de uma política de posicionamento para uma sociedade que quer caminhar para além de nós mesmos”, sugeriu. Por fim, ele assegurou que será o representante do Poder Executivo no Pacto firmado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Escolhas corretas
A solenidade no auditório na sede do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília, reuniu representantes dos três poderes da República – Executivo, Legislativo e Judiciário -, a fim de reforçar o compromisso com a proposta apresentada pelo CNJ, em 2019, para fazer a preocupação com as crianças se tornar engajamento e, enfim, dar efetividade aos direitos previstos no artigo 227 da Constituição Federal. Entre os signatários do Pacto Nacional pela Primeira Infância estão tribunais, instituições legislativas e executivas públicas, órgãos de representação de classe, universidades, escolas, prefeituras e organizações da sociedade civil de interesse público, entre outras, totalizando quase 400 entidades em apoio às ações desenvolvidas.
O gestor do Pacto, juiz auxiliar da Presidência do CNJ Edinaldo César Santos Junior, coordenou a conferência magna e o lançamento do projeto Diversidade das Primeiras Infâncias. Para ele, a realização do Pacto pelo CNJ atende à necessidade de corrigir escolhas incorretas no passado. “Hoje ainda precisamos assegurar um futuro melhor, que acolha todas as diversidades”, enfatizou.
Em conjunto com os signatários do Pacto, ele lançou o projeto que, entre outras frentes, deve mapear instituições que atuam na proteção, na promoção e na defesa dos direitos relacionados à diversidade das primeiras infâncias; levantar indicadores de vulnerabilidade de crianças negras, de povos e comunidades tradicionais, com deficiência, em situação de rua, entre outros; integrar políticas públicas para atenção às interseccionalidades, considerando os indicadores mapeados; e desenvolver campanha de Equidade Racial na Primeira Infância e respeito às demais diversidades.
O lançamento do projeto foi prestigiado pela representante do Ministério das Mulheres, Natalia Lima; do Ministério da Igualdade Racial, Natália Neris; pela presidente da Associação Maylê Sara Kalí, representando o povo romani, Elisa Costa; pela cofundadora e membro da Ação de Mulheres pela Equidade, representante do Grupo Articulador Primeira Infância no Centro de Enfrentamento ao Racismo Coordenado pelo Geledés, Ana Paula Matias; e pela conselheira do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e representante do Instituto Alana, Ana Claudia Cifali.
A presidente da Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down, Cleonice Bohn de Lima, compareceu com a filha adolescente, Giovanna Canabarro Pinelli. A jovem com síndrome de Down, representando as pessoas com deficiência, falou para a plateia sobre como foi ser criança e o que gostava de fazer. “Eu gosto de ir à escola, fazer capoeira, jogar futebol e desfilar”. A mãe completou que a filha é modelo. Na sua fala, Cleonice informou que a associação que preside, entre outras causas, luta pela garantia da convivência no ambiente escolar. “A inclusão contribui para uma sociedade melhor, com mais respeito e empatia”, defendeu.
Texto: Margareth Lourenço
Edição: Sarah Barros
Agência CNJ de Notícias