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A força-tarefa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que inspeciona unidades do sistema prisional de Goiás se reuniu ontem (30/5) com representantes de instituições da sociedade civil, das Defensorias Públicas do Estado de Goiás (DPGO) e da União (DPU). Os encontros na sede do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) trataram da defesa dos direitos humanos no contexto da privação de liberdade no estado.
A reunião com representantes da sociedade civil evidenciou queixas e denúncias a respeito do sistemático tratamento que detentos, detentas e suas famílias recebem nos presídios goianos, questões essas que são objeto de observação de juízes e juízas da força-tarefa do CNJ. “Estamos aqui para ouvir e, a partir dessa oitiva, programarmos as atividades que faremos no estado até a próxima sexta-feira”, disse o supervisor do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e Socioeducativo (DMF), conselheiro Mauro Martins.
Desde 2021, foram 42 denúncias de violações aos direitos humanos por parte das instituições de segurança do estado, grande parte sob o pretexto de combater organizações criminosas. Os responsáveis por essas queixas representam organizações não governamentais vinculadas a igrejas, universidades, instituições de classe e associações de familiares de presos e presas. No dia a dia dos presídios, foram relatadas práticas de tortura e privações ao atendimento de necessidades básicas, com um padrão de repetição dos procedimentos em diferentes unidades.
A inspeção nas unidades prisionais de Goiás acontece até o final desta semana em 19 presídios. Juízes e servidores do Poder Judiciário checam as condições dos equipamentos prisionais, dos serviços penais e dos próprios encarcerados em cumprimento de penas. As inspeções vão subsidiar um relatório com constatações e indicações de providências, documento que deverá ficar pronto no segundo semestre desse ano. “A nossa principal proposta é ouvir, constatar e recomendar”, explicou, durante o encontro, o coordenador do DMF, Luís Lanfredi.
Os denunciantes mencionaram jejuns diários que duram 15 horas e criticaram a qualidade das marmitas. Há ainda privação de acesso à água potável e à energia elétrica. Desde a pandemia de coronavírus, em 2020, também há impedimento de contato com familiares, inclusive com exigências inéditas, como, por exemplo, a obrigatoriedade de homens e mulheres usarem uniformes para terem acesso aos parentes presos e presas.
De acordo com a nova rotina adotada pelos mais de noventa estabelecimentos prisionais goianos, só podem ter acesso às áreas de acesso restrito nos dias de visitas as pessoas que trajarem calça e camiseta brancas, o uniforme masculino, e camiseta branca e calça tipo legging cinza. E o único calçado aceito para ter direito ao encontro com os detentos e detentas é a chinela branca, de borracha, com alças. “Se eu saio desse jeito da minha casa, vestida assim, todo mundo na rua, no ônibus, vai saber o que vou fazer, a população já me olha de outro jeito”, criticou a integrante da Associação dos Familiares e Amigos das Pessoas Privadas de Liberdade do Estado de Goiás, Patrícia Benchimol Ferreira de Andrade.
Os mesmos problemas estão sendo constatados nas inspeções da força-tarefa do CNJ perante os presídios de Goiás. Ação essa que se utiliza de metodologia diferenciada para aprimorar o registro detalhado de irregularidades e fortalecer estratégias para a prevenção e o enfrentamento da tortura e maus tratos, com base em normativas e diretrizes nacionais e internacionais.
Transferências
As transferências de detentos e detentos entre unidades prisionais, independentemente de autorização judicial e de comunicação às famílias e aos advogados, também foram relatadas. Desde 2018, as instituições do sistema prisional goiano dispõem de uma portaria para orientar a mudança do local de internação dos ditos reeducandos e reeducandas por meio de uma medida exclusivamente administrativa, que só precisa ser comunicada à vara de execuções penais depois de efetiva. Essa autonomia teria relação com uma estratégia para o desmantelamento de organizações criminosas que atuariam de dentro dos presídios.
Os presentes à reunião com a equipe do CNJ também relataram que a complementação da dieta dos detentos com alimentos entregues pelos familiares está cada vez mais difícil. A prática conhecida informalmente como Cobal, uma referência à instituição governamental extinta na década de 1990, está mais espaçada: só pode ser feita a cada 15 dias. Isso implica em comprometimento da saúde nutricional de presos e presas porque as três refeições diárias previstas na rotina do sistema seriam pobres em alimentos frescos e, por isso, insuficientes para bem alimentar e manter um adulto saudável. Também houve críticas à formação dos agentes penitenciários e à crescente millitarização da função.
“É fome, jejum, insegurança alimentar, falta d’água, adoção de recursos agressivos e violentos de contenção sem a observação de protocolos, afastamento da família, desrespeito a condições básicas de vida e falta de diálogo com representantes do Poder Executivo”, resume a representante do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), Viviane Martins Ribeiro.
À tarde, representantes das Defensorias Públicas do Estado de Goiás (DP/GO) e da União (DPU) fizeram exposições para ilustrar quadro com insuficiência de recursos humanos, materiais e financeiros. O último do compromisso do dia da equipe do CNJ, também no gabinete da presidência do Tribunal de Justiça de Goiás, foi com representantes da Seccional de Goiás da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/GO).
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Texto: Luís Cláudio Cicci
Edição: Sarah Barros
Agência CNJ de Notícias