CompartilheCom 48 unidades pactuadas em 22 unidades da federação e mais de 17 mil atendimentos realizados nos últimos dois anos, os escritórios sociais se consolidam enquanto política fomentada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de atendimento qualificado à pessoa egressa. O objetivo é que o Estado, por meio de ação integrada entre Judiciário e Executivo, promova uma nova trajetória cidadã para pessoas que tiveram contato com o cárcere e seus familiares facilitando o acesso a serviços e direitos previstos em lei, uma das ações priorizadas na gestão da ministra Rosa Weber.
Os escritórios sociais integram a Política de Atenção a Pessoas Egressas do Sistema Prisional do CNJ, estabelecida pela Resolução n.307/2019. A expansão e qualificação desses serviços é trabalhada com o programa Fazendo Justiça, coordenado pelo CNJ em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e apoio do Departamento Penitenciário Nacional (Depen). Há previsão de outras seis inaugurações no primeiro semestre de 2023.
“Desde a inauguração do primeiro escritório social em Vitória (ES) em 2016, essa política pública tem se mostrado fundamental não só para quem está dando os primeiros passos na retomada da vida em liberdade, quando o apoio do Estado se torna mais importante, mas também para familiares dessas pessoas, além da própria sociedade. Investir em cidadania no pós-cárcere gera um ganha-ganha para todos, no campo da segurança com a perspectiva de queda em reincidência e no fomento ao desenvolvimento social e econômico que precisa servir a todos para ser efetivo”, afirma o coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do CNJ (DMF), Luís Lanfredi.
Juiz auxiliar da Presidência do CNJ com atuação no DMF, Jônatas Andrade destaca que a expansão, interiorização e qualificação dos escritórios sociais pelo Brasil é a principal aposta do Judiciário para efetivar a política judiciária de atenção a pessoas egressas prevista no arcabouço normativo do CNJ. “Pessoas egressas do sistema prisional e seus familiares são acolhidos por equipes multidisciplinares e têm suas demandas para acesso de direitos facilitadas, em especial a de acesso à trabalho descente, que é o maior instrumento de ressocialização, restauração e emancipação de populações vulneráveis”.
Necessidades prioritárias
Cerca de 80% do público dos escritórios sociais têm demandas relacionadas ao acesso a programas de alimentação e renda. Entre as outras demandas estão encaminhamentos para serviços de abrigo e moradia, saúde e assistência jurídica.
Homem atendido pelo Escritório Social em Palmas é encaminhado para programa de acesso a emprego. Crédito: Divulgação/TJTOA coordenadora do Escritório Social de Maricá (RJ), Eliane Ferraz, conta que a maioria dos egressos busca condições básicas para se sustentar. “O nosso maior desafio continua sendo garantir o acesso ao emprego formal, de carteira assinada. Mas também entendemos que esse não é o único caminho, e procuramos identificar as reais necessidades de cada um”, diz. É por isso que os escritórios elaboram um Plano Singular Integral, em que são identificadas vocações e preferências em relação a trabalho, necessidade de renda e de acesso a direitos, entre outras questões.
Das diversas histórias de sucesso no campo de geração de trabalho e renda que já acompanhou no Escritório Social de Maricá, Eliane destacou duas: primeiro, a de um egresso que tinha talento para pintura e criação de texturas em paredes. A equipe o auxiliou a conseguir os documentos necessários, fazer o registro como Microempreendedor Individual (MEI) e desenvolver materiais de divulgação, incluindo imagens para redes sociais. Resultado: hoje, essa pessoa trabalha por conta própria, alugou um apartamento com seus recursos e é capaz de se sustentar.
Também houve o caso de uma egressa e seu filho que, encaminhados pelo escritório, passaram por cursos de formação técnica e hoje têm uma profissão. Ela estudou design de sobrancelhas e o filho aprendeu o ofício de barbeiro. Após um ano atendendo na sala de casa, os dois estão alugando um espaço para abrir o próprio salão.
Diversidade de modelos de gestão
O Escritório Social de Maricá é fruto de uma parceria entre o CNJ e a prefeitura municipal. O Conselho fornece a metodologia e alguns equipamentos, enquanto o poder público municipal é responsável pela estrutura física e contratação da equipe – no caso de Maricá, dez funcionários. Essa articulação é importante para integrar as diferentes políticas de atendimento social de cada cidade, fortalecendo a rede de serviços oferecida aos egressos e familiares. Os formatos de gestão de cada unidade variam de acordo com as dinâmicas locais, que podem incluir ainda governos estaduais, tribunais de justiça, órgãos do legislativo e organizações da sociedade civil.
O Escritório Social de Aracaju (SE) é um exemplo dessa soma de esforços. Ele funciona dentro do Fórum Olímpio Mendonça, a sede do Tribunal de Justiça de Sergipe (TJSE), em parceria com o governo estadual e o Ministério da Justiça e Segurança Pública, por meio do Depen/SENAPPEN. “A vantagem dessa localização é que muitas vezes o egresso vem para conversar com o defensor ou assinar algum documento, e aproveita e conhece os nossos serviços”, diz a coordenadora do Escritório Social de Aracaju, Geísa Garcia Bião Luna Franca. Ela aponta que hoje há grande quantidade de atendimentos e variedade de serviços prestados, como cursos profissionalizantes. Por isso, a reforma de um novo espaço com quatro salas já está em andamento.
“Os egressos se sentem perdidos quando saem do sistema prisional, sobretudo os que ficam longos períodos em privação de liberdade. Do lado de fora, as ruas mudaram, comércios abriram e fecharam. Para eles, parece que estão em outra realidade”, diz Geísa. Uma das medidas para ajudá-los nesse recomeço é a emissão de documentos. “Sem a documentação em dia, eles têm uma dificuldade maior para acessar os serviços sociais”, afirma. Os escritórios sociais recebem, com apoio do CNJ e incidência do programa Fazendo Justiça, orientações para realizar essa regularização e emissão de documentos.
Os escritórios sociais também podem ser exemplos de utilização inteligente de recursos do Judiciário. Em Macapá (AP), o prédio que abriga o escritório social teve sua reforma feita com verba das varas de Execução Penal e de Penas e Medidas Alternativas, a partir da substituição de penas por prestações pecuniárias prevista nos artigos 180 e 181 da Lei n. 7.210/1984. A maior parte da mão de obra contratada era composta por pessoas cumprindo pena nos regimes aberto ou semiaberto. “Conseguimos dar um caráter simbólico para este prédio: ele foi reformado com o trabalho de pessoas do sistema prisional e com valores oriundos dessas penas, convertidas em prestação pecuniária, e hoje atende essa mesma população”, conta o juiz titular da Vara de Execuções Penais de Macapá, João Teixeira de Matos Júnior.
Inaugurado em janeiro de 2021, o Escritório Social de Macapá surgiu em meio à fase de distanciamento social imposta pela pandemia e chegou a funcionar de forma inteiramente remota, fazendo contatos por telefone e WhatsApp. “Pelo perfil do nosso público, sem escolaridade e com dificuldades para acesso à internet, não conseguimos os mesmos resultados quando o atendimento não é presencial. Mesmo assim, realizamos mais de 350 atendimentos”, afirma a gerente do ES Macapá, Anne Suzielle Silva Sanches, que trabalha com uma equipe multidisciplinar composta por 14 pessoas, entre psicólogos, pedagogos e servidores do governo estadual nas áreas técnicas e de saúde, além de funcionários cedidos pelo TJ do Amapá – caso da própria Anne.
Um prédio construído para ser Escritório Social
Em Palmas, um prédio de 300 m² foi construído para abrigar o Escritório Social. Crédito: Divulgação/TJTOA sede do Escritório Social de Palmas (TO), com quase 300 metros quadrados, foi pensada para atender todos os critérios de acessibilidade e ter espaços para atendimentos individuais, rodas de conversa, cursos de formação e até brinquedoteca para familiares dos egressos. Assim como em Macapá, o financiamento também foi possível graças aos R$ 495 mil reais de penas pecuniárias que foram revertidas para o escritório social, por meio de um convênio que inclui o CNJ, o governo estadual, o Tribunal de Justiça local e organizações religiosas. Uma parceria recente com uma empresa de limpeza urbana já garantiu a contratação de quatro pessoas que passaram pelo escritório. “Fizemos algumas exigências, como pagamento de salário mínimo, vale alimentação e taxa de insalubridade”, explica o coordenador do Escritório Social de Palmas Leandro Bezerra de Sousa. O ES de Palmas também tem convênio com o Senai local para oferecer cursos de eletricista, mecânica de moto e informática, entre outros.
“O escritório social não pode depender das multas e penas pecuniárias, é preciso buscar um financiamento mais estável, e temos trabalhado para isso”, afirma o juiz titular da 4ª Vara Criminal de Palmas e integrante do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMF) do TJTO, Allan Martins Ferreira. Ele está articulando com a prefeitura a criação de Fundo Municipal Penitenciário, com aporte de verbas federais e do Ministério Público do Trabalho. Parte dos recursos, segundo o juiz, poderão ser usados pelo escritório social.
Para o juiz é fundamental que o Poder Judiciário seja ativo no processo de reintegração dos egressos. “A execução penal, por natureza, é híbrida, tem responsabilização para o Executivo e para o Judiciário. Ela também exige o envolvimento dos responsáveis para garantir o bom funcionamento, se a gente quiser, verdadeiramente, a recuperação das pessoas”, detalha.
Na avaliação de Martins Ferreira o CNJ, por meio do programa Fazendo Justiça, “nos municia de muitas possibilidades para alterar a realidade das prisões. Com isso em mãos, se eu não fizer nada, estaria sendo omisso.”
Escritório Social Virtual
O CNJ também lançou, em 2021, uma versão on-line dos serviços oferecidos por esses equipamentos. Trata-se do aplicativo Escritório Social Virtual (ESVirtual), disponíveis nas principais plataformas de celular (Android e IOS) e que já ultrapassou a marca de 5 mil downloads.
Pelo aplicativo é possível ter acesso georreferenciado aos serviços de apoio às pessoas egressas em todas as unidades da federação, inclusive naquelas em que ainda não possui um escritório social instalado. Dessa foram, o CNJ consegue ampliar o alcance e incrementar a oferta de serviços para egressos e seus familiares.
Texto: Pedro MalavoltaEdição: Nataly Costa e Débora ZampierAgência CNJ de Notícias