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A criação de audiências judiciais por videoconferências, a presença de equipes multidisciplinares nos tribunais e a efetiva realização da perícia biopsicossocial estão entre as principais medidas sugeridas no “Estudo empírico das demandas envolvendo pessoas com deficiência” para a melhor aplicabilidade da Lei Brasileira de Inclusão (LBI). Ao todo, foram apresentadas sete propostas de medidas, que também incluem capacitações, alterações legislativas e a efetivação do instrumento da tomada de decisão apoiada (TDA).
A pesquisa foi tema da quinta edição do Seminário de Pesquisas Empíricas aplicadas a Políticas Judiciárias, promovido em 21/9 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Coordenado pela juíza auxiliar da Presidência do CNJ Karen Luise de Souza, o seminário, realizado no Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, apresentou o resultado da pesquisa orientada pela professora da Universidade de São Paulo (USP) Luciana Morilas, com auxílio dos pesquisadores Idelberto Rodello, Ednéia Rocha e Evandro Ribeiro.
De acordo com Luciana, foram observadas algumas distorções, como a designação de peritos para avaliar pessoas com deficiência. “Peritos avaliam capacidade para o trabalho. Capacidade é diferente de capacidade para o trabalho. Muitas vezes, vemos pessoas idosas sendo interditadas e, do mesmo modo, vemos pessoas com deficiência. Não é o discernimento que é avaliado. A limitação é da sociedade. Eventualmente, é o magistrado que não sabe conversar com uma pessoa com deficiência”, lamentou. Também foram indicadas pelo estudo medidas como a criação de uma interlocução com serviços burocráticos que exigem a curatela e a instalação de juízos privativos e especializados.
Ações de interdição
A pesquisa pretendeu identificar as causas motivadoras das ações de interdição de pessoas com deficiência e a aplicabilidade, pelo Judiciário, de instrumentos como a tomada de decisão apoiada (TDA) e a avaliação biopsicossocial por uma equipe, entre outros previstos na Lei Brasileira de Inclusão (LBI).
Ao apresentar o debate, Karen Luise destacou foco da pesquisa sobre aspectos que levam a interdição de pessoas com deficiência a luz do que está previsto na Lei Brasileira de Inclusão (LBI). O objetivo foi verificar como essas interdições têm sido realizadas, os tipos de prova que têm sido utilizados, as percepções de todos os envolvidos no processo e as alterações que a lei tenha proporcionado ao andamento processual.
A pesquisa concluiu que a razão dessas ações ou dessas curatelas residem em questões burocráticas. Os pesquisadores entenderam, após análises, que a aplicação de instrumentos como a tomada de decisão apoiada e a avaliação biopsicossocial está aquém do esperado. Por meio desse método, mais recomendado por especialistas, seria possível verificar os direitos de pessoas com deficiência de forma individual, em linha com a efetiva autonomia do indivíduo.
Outro ponto apurado na pesquisa diz respeito ao impacto da LBI nos processos de curatela, que, segundo os pesquisadores, foi pouco expressivo. Do mesmo modo, embora a percepção sobre a LBI tenha sido positiva por parte dos operadores do direito, das pessoas com deficiência e de seus tutores ou curadores, o mesmo não ocorre quando o mesmo grupo avalia a aplicabilidade da lei. A hipótese confirmada pelo estudo é que, de modo geral, há um desconhecimento dos termos da Lei Brasileira de Inclusão. Há, ainda, resistência em utilizar a tomada de decisão apoiada. Esse recurso possibilita apoio à pessoa com deficiência em suas decisões sobre atos da vida, dispondo de dados e informações necessários para o pleno exercício de seus direitos.
Capacidade legal
A juíza federal do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) Kátia Roncada afirmou que, a pesquisa revela de modo empírico o que era, até então, uma impressão de alguns atores do Sistema de Justiça. “Há sim, a violação de alguns direitos. Não é possível insistir em interdição e em interrogatório. As pessoas com deficiência gozam de capacidade legal, a regra é a autonomia”, afirmou.
A magistrada Patrícia Cerqueira, do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), destacou alguns pontos da pesquisa que indicam a necessidade de implementação de melhorias na legislação, como a necessidade de capacitação e providências que supram a ausência dos especialistas nas audiências. “O CNJ tem agora a fundamentação para promover as mudanças precisas, como incentivar as audiências por videoconferências”, sugeriu.
Para a promotora de Justiça no Ministério Público de São Paulo (MPSP) Sandra Lucia Garcia Massud, alguns erros cometidos atualmente precisam ser retificados. “Não é possível dispensar uma avaliação multidisciplinar sob a alegação de falta de dinheiro. Se há a necessidade, e não o pessoal, que seja nomeada e constituída uma equipe para que a avaliação biopsicossocial ocorra. Já vi magistrado fazer entrevista com um médico ao lado. A deficiência é um conceito em evolução. Hoje a avaliação é a biopsicossocial. É preciso acompanhar essa evolução”, concluiu.
Série de seminários
A série Seminários de Pesquisa Empírica foi elaborada para permitir a discussão de estudos dedicados ao Poder Judiciário e a troca de experiências entre servidores públicos, acadêmicos e outros interessados na produção de pesquisas empíricas e metodologias de geração de dados. O público-alvo são magistrados, magistradas, servidores e servidoras do Judiciário, comunidade científica e acadêmica e demais integrantes do Sistema de Justiça.
Veja a íntegra do Seminários de Pesquisas Empíricas aplicadas às Políticas Judiciárias – Estudo empírico das demandas envolvendo pessoas com deficiência
Texto: Margareth Lourenço
Edição: Sarah Barros
Agência CNJ de Notícias