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No painel inaugural do Fórum Nacional da Infância e da Juventude (Foninj), juízes e juízas que atuaram ou atuam no fórum do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apresentaram um panorama dos avanços nas políticas judiciárias da infância e da adolescência. São iniciativas que tratam da primeira infância, da entrega protegida para adoção, de pessoas em situação de rua, do combate ao trabalho infantil e do racismo estrutural. A exposição, mediada pelo juiz Eduardo Rezende Melo, do Tribunal de Justiça de São Paulo, aconteceu nessa quinta-feira (18/5), na Escola Paulista da Magistratura, em São Paulo.
O juiz auxiliar da Presidência do CNJ Edinaldo César Santos Junior, integrante do Foninj e gestor do Pacto Nacional pela Primeira Infância, chamou a atenção para os efeitos do racismo estrutural nos direitos humanos do país, em especial no acesso de jovens negros ao emprego, à saúde e à educação. Para ele, a raiz das desigualdades está no passado escravagista do país, que perdura até hoje na forma de diferença de acesso de jovens negros e indígenas a direitos básicos e na cultura do racismo.
O magistrado defendeu a inclusão da questão da diversidade racial de crianças e adolescentes no debate das políticas públicas voltadas para diminuir as desigualdades. “O debate referente às questões étnico-raciais nos leva a irremediável constatação científica de que vivemos socialmente o racismo estrutural, não só em solo brasileiro, mas em outros países que se beneficiaram da escravização de pessoas negras e indígenas”, lamentou.
Ao analisar os dados de diversas instituições estatais, o magistrado enfatizou que crianças e adolescentes negros são mais suscetíveis a violações de direitos e a desvantagens sociais. De acordo com dados do Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência, calculado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, um jovem preto no Brasil, a partir dos 15 anos, tem quase três vezes mais probabilidade de ser vítima de homicídio em comparação a um jovem branco. A taxa de mortalidade entre os jovens negros, a cada 100 mil pessoas, chega a ser de 86,34, enquanto entre os brancos esse número é de 31,89.
Segundo o Mapa do Trabalho Infantil, as crianças pretas representam mais de 62% dessas vítimas. No caso do trabalho doméstico, esse índice aumenta para 73,5%, sendo que mais de 94% são meninas. A juíza do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, Lorena de Mello Rezende Colnago, ministrou palestra sobre o “Combate ao trabalho infantil e outras interfaces da justiça da infância e juventude com a justiça do trabalho”. Para ela, o debate sobre o trabalho infantil é sempre interseccional. “O problema se relaciona com o racismo estrutural, com o trabalho inseguro, com o tráfico de pessoas porque são essas as pessoas, colocadas em condição de vulnerabilidade máxima, que têm a sua infância ceifada, que têm a sua compleição física vilipendiada por tantos trabalhos proibidos por lei”, destacou.
Ações concretas
Como gestor do Pacto Nacional pela Primeira Infância, o juiz Edinaldo César Santos Junior priorizou a valorização das várias fases da infância como tema central da segunda fase do Pacto. Nesse contexto, foi apresentado o Diagnóstico Nacional da Primeira Infância de 2022, com foco na Destituição do Poder Familiar (DPF).
Segundo o levantamento, 46,9% das crianças nessa condição estão na primeira infância. Além disso, 12% dessas crianças apresentam problemas de saúde e/ou deficiências. Observou-se também que 64,95% dessas crianças com informações étnicas registradas no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) são pretas e pardas, enquanto 16,8% têm etnia desconhecida no cadastro.
Outro aspecto relevante destacado no painel é a situação da adoção no Brasil. Em todas as regiões do país, a maioria das crianças e dos adolescentes disponíveis para adoção são negras e pardas. Essa realidade reflete a histórica prevalência dessas pessoas em situação de vulnerabilidade social.
O juiz destacou ainda os esforços do CNJ para reduzir as desigualdades, como o Pacto Nacional do Judiciário pela Equidade Racial, lançado em novembro do ano de 2022. A inciativa tem o objetivo de fortalecer uma cultura de equidade racial no Poder Judiciário, por meio da adoção de medidas específicas e concreta, como o aumento da representatividade de negros na magistratura.
Entrega voluntária
Sobre a entrega voluntária de bebês para adoção, a juíza Samyra Remzetti Bernardi, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), apresentou a evolução normativa que permitiu a garantia do direito da criança de conhecer sua origem e ter preservada sua identidade, além dos direitos da gestante de fazer a entrega de “forma consciente, informada e respeitosa”.
A magistrada também destacou o aumento no número de casos de entrega voluntária nos últimos anos. Em três anos, foram 4.318 entregas feitas por meio das varas de infância e juventude, em todo o país. “O trabalho do Judiciário e de integrante da rede de proteção na divulgação da possibilidade de entrega voluntária é um claro combate ao abandono, à adoção ilegal e ao tráfico de crianças”.
Sobre a Resolução CNJ n.485/2023, Samyra Remzetti destacou a importância da realização de consulta e audiência públicas e de debates no Foninj para a aprovação, em janeiro de 2023, da norma que instrui o trabalho da Justiça em processos de entrega voluntária. Também foram editados um fluxograma e um manual pelo CNJ para facilitar a compreensão do procedimento e a divulgação na sociedade, para a conscientização de profissionais e da população em geral.
Situação de rua
Titular da Vara da Infância e Juventude de Guarulhos (SP), o juiz Iberê Dias tratou da situação das crianças e adolescentes em situação de rua, vítimas de uma série de violações de direitos. “Se vemos uma criança na rua não podemos esquecer que, se ela está ali, é porque o Estatuto da Criança e do Adolescente está sendo violado”, afirmou. Segundo o magistrado, dados de 2020 mostram que havia 70.000 crianças e jovens em situação de rua. Dessas, 85% eram negras e, 72%, vítimas de trabalho infantil.
Entre os desafios apresentados por Iberê para o resgate das crianças e adolescentes estão a dificuldade de acesso e permanência nas políticas públicas. O magistrado destacou que não apenas o poder público é responsável por zelar pelo bem-estar dos pequenos brasileiros, mas toda a comunidade tem essa obrigação. “É um problema de todos nós como sociedade, como rede de respaldo”, frisou.
Agência CNJ de Notícias