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A Justiça Itinerante Cooperativa da Amazônia Legal encerrou na sexta-feira (21/7) cinco dias de trabalho no município de São Félix do Xingu, no Sudeste do Pará, onde foram realizados quase 3.000 atendimentos a cidadãos e cidadãs que passaram pela Escola Estadual de Ensino Médio Carmina Gomes. O envolvimento do Judiciário e de diversos órgãos e entidades federais, estaduais e municipais (31, ao todo), levou uma ampla gama de serviços de cidadania a uma região carente da presença do Estado.
A itinerância, realizada entre os dias 17 e 21 de julho, acumula bons resultados. O êxito pode ser observado tanto na resolução de demandas simples, que se torna um verdadeiro desafio em função do isolamento da região, quanto em questões que já estavam em trâmite na Justiça. A emissão de documentos como RG, CPF, título de eleitor, carteira de trabalho e certidões de registro civil dominou parcela significativa dos atendimentos. Entre segunda-feira e quarta-feira, foram emitidos cerca de 1.500 RGs. O relatório final apresentará os dados consolidados nos próximos dias.
Uma das coordenadoras da ação, a desembargadora Carmen Gonzalez, juíza auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) celebra o resultado em São Félix do Xingu: “O projeto começou a ser gestado no final do ano passado. Tudo foi planejado com muito cuidado para assegurar que a população recebesse o atendimento necessário. Nesses cinco dias de itinerância, vimos as carências dos moradores da região e ver o sorriso das pessoas ao terem seus problemas resolvidos nos dá a sensação de missão cumprida. A iniciativa pioneira – uma itinerância cooperativa com diversos atores do Estado prestando serviços à população – deve ter continuidade pois há muitas outras localidades carentes na Amazônia Legal”.
A Justiça Itinerante Cooperativa na Amazônia Legal tem origem na formalização de parceria entre o CNJ, o Conselho da Justiça Federal (CJF), o Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Entre os órgãos envolvidos, estão: os tribunais superiores e aqueles com jurisdição no estado do Pará; a Defensoria e o Ministério Público; a Advocacia Geral da União (AGU); a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB); e a Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg-BR) junto aos órgãos do Executivo Federal, incluindo o Exército Brasileiro, o INSS, o Ibama, o ICMBio, o Ministério dos Povos Indígenas, a Funai e o Incra.
De acordo com a Defensoria Pública do Estado do Pará (DPPA), mais de 80% dos pedidos se referiam à emissão de registros públicos, à retificação de registros e ao registro tardio, este último com procura majoritária de indígenas da região. Dos serviços cartoriais, 313 foram pedidos de segunda via da certidão de nascimento.
A representação da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) disponibilizou a emissão do Registro Administrativo de Nascimento Indígena (Rani) e um balcão de orientações. O Rani é o documento que antecede o Registro Civil e a carteira de identidade no caso de indígenas adultos. Para crianças e adolescentes, apenas o documento do hospital é necessário para a emissão dos documentos. Dados apurados mostram que, até a quinta-feira (20/7), foram realizados 37 atendimentos com esse fim.
Demandas represadas
Na área previdenciária, foram resolvidos administrativamente mais de 100 casos, entre benefícios assistenciais (LOAS), Benefício de Prestação Continuada (BPC) e aposentadoria rural. Já no âmbito judicial, 254 audiências foram realizadas pelo núcleo da Justiça Previdenciária. Entre os benefícios julgados estão a aposentadoria por idade e por incapacidade, o auxílio-doença, a LOAS Deficiente e Idoso, a pensão por morte e o salário-maternidade. Dos processos analisados, as maiores demandas foram benefícios LOAS Deficiente, com 96 casos, e aposentadoria por idade, totalizando 76 processos. O valor total das ações, em quatro dias de atividades, chega a R$ 438.435,00.
Francisca Oliveira, de 41 anos de idade, acompanhou o marido, Manoel Miranda de Jesus, com 61 anos de idade e portador de hanseníase e cardiopata. Beneficiários do Bolsa-família, ambos buscaram uma série de serviços da itinerância. Eles viajaram três horas em uma moto pequena para chegar à escola onde foi realizada a ação. O casal conseguiu obter os documentos de identificação, e também, junto ao Incra, a titularidade das terras onde vivem, além da aposentadoria de Manoel. “Para nós, tudo que conseguimos aqui hoje é uma benção”, declarou Francisca.
A família de Diva de Almeida, de 55 anos de idade, composta por seu filho Gutembergh, de 29 anos de idade, portador de hidrocefalia, e o esposo, Nelson Almeida, com 63 anos de idade, conseguiu obter benefícios previdenciários reivindicados ao longo de dois anos. Em uma única manhã, Gutembergh conseguiu o Benefício Assistencial à Pessoa com Deficiência (BPC/LOAS) e o pai e a mãe conquistaram a aposentadoria. “Desde os 14 anos, sofro com a doença. Poucas vezes ao longo desse tempo consegui trabalhar. Tenho desmaios frequentes. Esse benefício vai ajudar demais nossa família”, afirmou.
Ainda na área social, o Exército Brasileiro viabilizou o atendimento médico e odontológico para a ação, atendendo ao menos 170 pessoas que passaram pelo posto de saúde localizado na escola onde realizadas as ações da itinerância. A grande procura foi para consultas odontológicas: foram 84 atendimentos.
Meio ambiente
Na área da Justiça Ambiental Federal, foram realizadas nove transações em ações civis públicas e 12 acordos de não persecução penal, totalizando 21 processos resolvidos de maneira negociada. O juiz federal Georgiano Rodrigues Magalhães Neto ressaltou que, em função da dificuldade de localização, muitos réus domiciliados na zona rural não foram intimados. “Apesar da criação de links para acesso remoto à sala de audiência, pode-se inferir que o não comparecimento de muitos foi decorrente de problemas na conexão à internet ou ausência completa de sinal”, enfatizou.
Também no eixo ambiental, o Ibama realizou até a manhã desta sexta-feira (20/7) mais de 50 atendimentos, que incluíram oportunidades para a prestação de informações sobre processos de apuração de infrações ambientais. Além disso, foram esclarecidas dúvidas sobre os processos já instaurados, com orientações gerais sobre a fiscalização ambiental e a regularização ambiental de empreendimentos rurais. “Também demos encaminhamentos a pedidos de conversão de multas ambientais em prestação de serviços e julgamos autuações ambientais já em estágio de resolução final”, afirmou Daice Silva, servidora do órgão.
A Defensoria Pública da União (DPU) participou de, ao menos, 14 audiências de conciliação na área ambiental, tendo realizado 11 acordos. “A taxa de êxito nos feitos conciliatórios envolvendo a DPU, portanto, é de 78,5%, um índice considerado elevado”, pontuou o defensor público federal Marcus Euler Rodrigues Barrocas.
Direitos trabalhistas
A equipe do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) emitiu carteiras de trabalho digitais e esteve presente para o recebimento de reclamações e orientações. Números parciais, até quarta-feira (19/7), contabilizam 144 atendimentos, sendo 98 para carteiras de trabalho e 36 reclamações, que incluem denúncias de irregularidades no trabalho.
Na semana anterior ao início da itinerância, auditores fiscais do trabalho estiveram em São Félix do Xingu para averiguar empresas com maior número de denúncias, como informalidade nas relações trabalhistas e acidentes de trabalho. Das empresas fiscalizadas, duas eram frigoríficos e quatro eram estabelecimentos comerciais e todas foram encaminhadas ao núcleo da Justiça do Trabalho inserido na ação da itinerância. Ao longo da semana, em sete audiências, procuradores e juízes do trabalho avaliaram processos que resultaram em quatro Termos de Ajuste de Conduta (TAC). Uma das empresas envolvidas deve assinar o mesmo documento nos próximos 30 dias.
De acordo com a procuradora do trabalho, Sílvia Silva, São Félix do Xingu figura entre os cinco municípios com maiores índices de trabalho análogo à escravidão no Pará. A triste realidade fez com que alguns trabalhadores, os quais chegaram a realizar denúncias no núcleo de Justiça itinerante, retirassem suas queixas no dia seguinte. Por isso, para a agente pública, a ação coordenada pelo CNJ, em parceria com outros órgãos, possui grande importância para a população local. “São Félix do Xingu conta com trabalhadores com baixo nível de escolaridade e isso traz como consequência a ausência de consciência e de exercício dos seus direitos fundamentais trabalhistas”, destacou.
Terras e eleições
Com 14 servidores destacados para a itinerância, o Incra atendeu 160 pessoas. Os serviços mais procurados foram a regularização de lotes inseridos em assentamentos, o desbloqueio da Relação de Famílias Beneficiárias (RB), a inclusão de famílias na RB e a regularização Fundiária. O sistema do Incra aceita a regularização fundiária com limite específico de área: as terras que ultrapassam o tamanho determinado pelo instituto são objeto de fiscalização in loco. Na itinerância, dois servidores ficaram envolvidos com essa vistoria.
A servidora do Incra, Wânia Maranaldo, destacou o “valor incalculável” da ação para a população de São Félix do Xingu e dos municípios próximos. “Essa é uma área onde tudo fica distante. O papel do Poder Público é chegar o mais perto possível de seus administrados. Conseguimos atender pessoas que há anos não conseguiam ver suas demandas resolvidas”, afirmou.
No campo eleitoral, os treinamentos nas urnas eletrônicas, a emissão de títulos e a transferência de títulos dominaram os atendimentos feitos pela Justiça Eleitoral. Pelos espaços da área eleitoral, passaram mais de 230 pessoas nos quatro primeiros dias de itinerância. Pelo menos 86 eleitores e eleitoras saíram com títulos e biometria efetivada e 48 transferências de domicílio eleitoral foram concretizadas.
Os números totais de atendimentos e serviços prestados serão disponibilizados após a consolidação pela equipe responsável pela catalogação das informações coletadas ao longo dos cinco dias da Justiça Itinerante Cooperativa da Amazônia Legal. A expectativa é que a ação ocorra duas vezes por ano em outras localidades do Brasil com difícil acesso aos serviços do Estado.
Texto: Ana Moura
Edição: Sarah Barros
Agência CNJ de Notícias