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Realizado durante o mês de julho na sede do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em Brasília, o Encontro Nacional dos GMFs (Grupos de Monitoramento e Fiscalização Carcerário) reuniu, no segundo e terceiro dias de evento, magistrados e magistradas de 11 unidades da federação para discutir incidências e desafios sobre a privação de liberdade. Sob a coordenação do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF), estiveram presentes nos dias 6 e 10 de julho representantes do Judiciário dos nove estados do Nordeste (Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe), além de juízas e desembargadoras de Santa Catarina e do Distrito Federal.
O Encontro começou no dia 3 e vai até 18 de julho, alternando datas dedicadas à atuação dos GMFs nos territórios e outras voltadas exclusivamente para a temática da Justiça Juvenil. O evento tem apoio técnico do Programa Fazendo Justiça, executado pelo CNJ em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e diversos apoiadores.
Definição de competências
“Por meio dos GMFs, questões relacionadas aos sistemas prisional e socioeducativo ganham relevância nos tribunais. Os GMFs não apenas promovem e orientam a adoção das diretrizes nacionais, mas são a estrutura de suporte que permite que todos os atores do Sistema de Justiça avancem na mesma direção. Isso é essencial para a evolução institucional do Judiciário, porque, ao fornecer ferramentas e instrumentos de atuação qualificados, os GMFs valorizam a atuação dos juízes, permitindo aperfeiçoar e sofisticar a qualidade da prestação jurisdicional que chega aos cidadãos”, disse o juiz auxiliar da Presidência do CNJ e coordenador do DMF, Luís Lanfredi, na abertura do encontro que reuniu Ceará, Piauí, Rio Grande do Norte, Maranhão e Santa Catarina.
Uma questão levantada durante o debate foi a necessidade de delimitação de competências e atribuições dos GMFs, das Coordenadorias da Infância e Juventude e das Corregedorias. Um dos desafios enfrentados pelos grupos é definir a atuação da rede de atendimento e proteção, o que poderia ser facilitado pela criação de regimentos internos que melhorariam a articulação e a compreensão das responsabilidades dos órgãos envolvidos. Além disso, foi destacada a importância de disseminar informações e cultivar uma cultura de compartilhamento, de modo a garantir que os juízes estejam cientes das políticas públicas e possam implementá-las de maneira adequada.
“Para alcançar esses objetivos, é crucial fortalecer as relações institucionais e promover um diálogo contínuo com as demais instituições. Ao harmonizar essas parcerias e estabelecer claramente as atribuições de cada órgão, será possível promover uma atuação mais efetiva e integrada na busca por soluções conjuntas”, pontuou o juiz auxiliar da Presidência do CNJ com atuação no DMF Edinaldo César Santos Júnior.
Financiamento e sustentabilidade
Os participantes também abordaram temas como políticas penais, inspeções e tratamento de denúncias de tortura, capacitação profissional para juízes e servidores, otimização de recursos e sistemas de acompanhamento, além da necessidade da produção qualificada e manuseio de dados sobre a privação de liberdade.
O juiz coordenador do GMF do Tribunal de Justiça do Piauí (TJPI), Marcus de Vasconcelos, destacou a importância da continuidade do aprimoramento dos sistemas e de bases de informações relativas ao sistema carcerário. “Todos os avanços tecnológicos são extremamente importantes. Com o Banco Nacional de Monitoramento de Prisões (BNMP) 3.0, teremos uma integração e acompanhamento muito maior das prisões provisórias e definitivas, assim como na integração com o Sistema Eletrônico de Execução Unificado (SEEU). Com o lançamento da Central de Regulação de Vagas – cujo projeto-piloto já está em funcionamento no Maranhão – esse salto é ainda maior para o monitoramento das prisões, sentenças e medidas”.
Na avaliação do presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) e representante da Unidade de Monitoramento Carcerário (UMF) do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão (TJMA), Douglas de Melo Martins, é preciso utilizar a força institucional dos GMFs para ampliar o espaço e a relevância das políticas no campo da privação de liberdade. “É muito difícil conseguir recursos para financiar políticas voltadas à população carcerária. Por isso, precisamos fazer com que essas políticas interajam com outras, focadas em direitos humanos, e assim conseguir mobilizar os diferentes atores. Uma política potencializando a outra”.
Ao compartilhar a experiência do estado na consolidação e financiamento das ações da UMF, Martins ressaltou ainda a importância da transparência sobre a realidade local. “No Maranhão, não escondemos os problemas que enfrentamos no sistema prisional e não entramos em conflito com as instituições que apontam essas questões. Reconhecer nossos problemas nos permite exigir dos órgãos competentes os recursos necessários para superá-los”, explicou.
A coordenadora GMF do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), Cinthia Schaefer, pontuou o papel central do GMF nessa dinâmica. “A partir dessas discussões, a gente começa a enxergar o GMF com uma dimensão maior. Temos a necessidade de ter um orçamento próprio para que se desenvolva projetos e otimize as políticas”, enfatizou. Coordenador do GMF do socioeducativo no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN) e da Coordenadoria Estadual da Infância e Juventude, José Dantas de Paiva lembrou que a destinação de recursos para órgãos do Poder Judiciário deve ser abordada no plano plurianual com atenção a prazos.
Combate à tortura
A questão das denúncias de tortura nos presídios também fez parte das discussões. “O preparo e a capacitação dos magistrados para levar adiante essas denúncias é fundamental. Precisamos de mecanismos de investigação e cursos intensivos e robustos sobre o assunto”, disse o juiz colaborador do GMF e da 2ª Vara Regional de Execução Penal do TJRN, José Vieira. O assunto foi tema de curso inédito realizado pelo CNJ no último mês. “É preciso potencializar a aproximação não só entre GMFs de diferentes estados, como a nossa com o DMF. Essa parceria já gerou bons frutos, como a construção do Plano de Prevenção e Combate à Tortura no Ceará, com forte participação do CNJ”, explicou a juíza titular da 2ª Vara de Execução Penal da Comarca de Fortaleza e coordenadora do GMF do TJCE.
Para o segundo semestre deste ano, o programa Fazendo Justiça prepara um Manual de Monitoração e Inspeção nas Unidades Prisionais, estabelecendo fluxos de referência para registro de denúncias de tortura, arcabouço normativo e de indicadores sobre o tema e quais procedimentos judiciais devem ser adotados. O objetivo é padronizar e dar eficiência às inspeções, sobretudo no que diz respeito ao encaminhamento e apuração de eventuais violações ocorridas dentro de presídios.
Questão internacional
No encontro do dia 10 de julho com Alagoas, Bahia, Distrito Federal, Pernambuco e Sergipe, o juiz auxiliar da Presidência e coordenador do DMF, Luís Lanfredi, destacou que a responsabilidade da atuação dos magistrados é para além de sua jurisdição ou mesmo do âmbito nacional. “Quando estamos atuando na área penal, somos também juízes interamericanos, guardiões desses tratados internacionais que foram incorporados ao arcabouço legal brasileiro. O juiz auxiliar da Presidência do CNJ com atuação no DMF, Edinaldo César Santos Júnior, lembrou da relevância dos órgãos internacionais para avanços na Justiça Juvenil. “A melhoria dos sistemas de informação, por exemplo, foi uma das recomendações da Corte Interamericana quando esteve no Brasil”, afirmou.
O supervisor do GMF do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas (TJAL), desembargador Celyrio Adamastor Tenório Accioly, celebrou o fortalecimento do órgão desde a sua criação, em 2009. “Hoje somos reconhecidos pelo Tribunal, com a nossa composição sendo indicada pelo presidente e com rotinas de trabalho estabelecidas, como a produção de relatório trimestrais para avaliação dos órgãos superiores”. O desembargador destaca a área no site do TJAL em que são divulgadas as resoluções, portarias e mapas carcerários atualizados.
“Contamos hoje com um gabinete e servidores próprios, fruto de um avanço nos últimos anos, inclusive com a ampliação da atuação do GMF para o Socioeducativo”, relatou o supervisor do GMF do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba (TJPB), desembargador Joás de Brito Pereira Filho. Na avaliação do desembargador, o trabalho em rede e a boa relação com o Executivo permitiu a criação de dois escritórios sociais no estado e, em breve, o governo também deve ceder uma equipe multidisciplinar do governo para atuar no Judiciário.
A juíza auxiliar da Presidência e integrante do GMF do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe (TJSE), Dauquíria de Melo Ferreira, ampliou o debate. “Hoje talvez não caiba mais ao GMF o nome grupo. Não fazemos apenas o monitoramento e a fiscalização, e sim a articulação. Criamos formas de solucionar os problemas que se apresentam no sistema prisional e do socioeducativo”.
O supervisor do GMF do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco (TJPE), desembargador Mauro Alencar de Barros, ressaltou avanços recentes na estrutura local para as ações do sistema prisional e do socioeducativo, mas reconheceu a necessidade de avanços pontuais. Segundo ele, há um compromisso de alocar novos servidores no GMF. “Estamos desde o ano passado sob o crivo de uma inspeção rigorosa e eficaz que o CNJ fez no Complexo do Curado, o que gera demandas que estamos trabalhando para cumprir”, afirmou.
Políticas em implementação
Um local para que a alta gestão dos poderes Judiciário, Legislativo e Executivo discuta questões sobre os sistemas prisional e socioeducativo. Essa foi uma das inovações trazidas pelo GMF do Tribunal do Estado da Bahia (TJBA), coordenado pelo juiz Antônio Faiçal, que explicou a atuação do Comitê Estadual de Políticas Penais e Socioeducativa. “É formado representantes de diversos segmentos. Esse comitê cria grupos de trabalho para enfrentamento de questões específicas e, resolvida ou não a questão, os GTs precisam reportar ao comitê seus achados”, comentou. O GMF da Bahia também criou uma estrutura que espelha os 5 eixos de atuação do programa Fazendo Justiça, designando um juiz para cada uma dos temas: Proporcionalidade Penal, Socioeducativo, Política Prisional e Cidadania, Sistemas e Identificação Civil e Ações Transversais.
O fechamento gradual dos Hospitais de Custódia, conforme previsto há mais de 20 anos na Lei Antimanicomial (Lei n. 10.216/2001) e regulamentado pela Política Antimanicomial do Poder Judiciário (Resolução CNJ n. 487/2023) também foi abordado. Dúvidas sobre o cumprimento dos prazos e interlocução com outros atores institucionais foram levantadas. “Um dos nossos grandes desafios no GMF do Distrito Federal é a Política Antimanicomial. Nosso tribunal está em vias de formação de uma equipe multidisciplinar para atender a resolução. Estamos bastante estimulados em dar o encaminhamento correto à questão dos presos psiquiátricos”, afirma a supervisora do GMF do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), desembargadora Nilsoni de Freitas.
Veja os depoimentos de representantes dos GMFs que participaram do segundo dia de evento: juíza Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer (coordenadora GMF/TJSC); juiz Douglas de Melo Martins (coordenador UMF/TJMA); juiz José Vieira (colaborador GMF/TJRN); juíza Luciana Teixeira de Souza (coordenadora GMF/TJCE); juiz Marcus Klinger M. de Vasconcelos (coordenador GMF/TJPI).
Veja os depoimentos de representantes dos GMFs que participaram do terceiro dia de evento: desembargador Joás de Brito Pereira Filho (supervisor GMF/TJPB); juíza Leila Cury (Vara de Execuções Penais/TJDF); juiz Antônio Faiçal (coordenador GMF/TJBA); desembargador Mauro Alencar de Barros (supervisor GMF/TJPE); desembargador Celyrio Adamastor Tenório Accioly (supervisor do GMF/TJAL); juíza Dauquíria Ferreira (integrante GMF/TJSE).
Texto: José Lucas Azevedo, Nataly Costa, Natasha Cruz e Pedro Malavolta
Edição: Débora Zampier
Agência CNJ de Notícias