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Na última quarta-feira (18), a ouvidora da mulher da Justiça Militar da União, a juíza federal Mariana Aquino e a primeiro-tenente da FAB Nívea Silva, apresentaram aos ministros do Superior Tribunal Militar (STM) o Programa de Inovação da Ouvidoria da Mulher. A proposta foi apresentada durante Sessão Administrativa da Corte, com enfoque na cooperação interinstitucional da Justiça Militar e das Forças Armadas na prevenção e enfrentamento à violência contra a mulher.
Segundo a juíza, a construção coletiva do programa (ouvidoria da mulher, magistrada e coordenadoras dos eixos militares) demonstra o comprometimento da Ouvidoria da Mulher da JMU em colocar as usuárias como centro do serviço e construir novas formas de pensar e fazer.
“Ao ir além do ouvir, buscou ser exemplo da mudança cultural que se pretende alcançar, promovendo o empoderamento feminino, visando favorecer a comunicação entre o Poder Judiciário e as mulheres militares”. O projeto-piloto ocorrerá em cooperação com a FAB para, em seguida, ser replicado com a Marinha e o Exército.
A Justiça Militar quer aplicar uma pesquisa sobre assédio sexual nas Forças Armadas e incluir disciplina sobre violência de gênero no currículo de formação para reduzir o número de casos de abusos contra mulheres militares.
O projeto, aprovado e apoiado pelos ministros, prevê ações nas áreas de saúde, Justiça, doutrina e pesquisa. A intenção é iniciá-lo na FAB (Força Aérea Brasileira), que teve mulheres trabalhando na elaboração da proposta, e estender futuramente para a Marinha e o Exército.
Uma das sugestões do projeto, elaborado pela juíza Mariana Aquino e pela primeiro-tenente da FAB Nívea Silva, é a realização de uma pesquisa para quantificar o número de militares mulheres que consideram ter sofrido assédio no trabalho.
Em entrevista ao Jornal Folha de São Paulo, a magistrada disse que a pesquisa é muito importante para que se tenha um quantitativo das mulheres que reportam assédio para podermos trabalhar com a prevenção. “A ideia é ter esses dados porque muitos casos não são reportados. As mulheres deixam de reportar porque têm medo de sofrer represália, de algo ser abafado ou ela mesma sofrer punição”, afirmou Aquino, ouvidora da Mulher da Justiça Militar.
A magistrada disse também que espera não encontrar resistência das Forças Armadas. “Acredito que não vá encontrar nenhum problema. Até porque podemos contar com o apoio dos ministros do STM que são das Forças para fazer essa interlocução.”
Ela afirma que um projeto voltado para as militares mulheres é necessário porque elas estão num ambiente predominantemente masculino e, ao sofrerem assédio, são vítimas duas vezes: como mulheres e como militares.
“Ela (a mulher) é a maior vítima de crimes contra a dignidade sexual. Não é um privilégio. Longe disso. É reconhecer a desigualdade dentro do ambiente militar e que essa mulher é duplamente atingida quando existe um crime militar: como mulher e militar. Diante dessa condição peculiar, demanda uma proteção diferenciada”, disse ela, que atua na Justiça Militar, no Rio de Janeiro.
Levantamento realizado em 2020 por Aquino e pelo juiz Rodrigo Foureaux com mulheres integrantes de forças de segurança (incluindo também PM, Guarda Municipal e bombeiros, entre outros) mostrou que 83% das que declararam ter sofrido assédio sexual no trabalho não denunciaram o caso.
As principais razões foram a descrença na apuração (13,3%), o medo de represálias (12,7%) e da exposição (12,5%). Segundo os dados, 163 militares das Forças Armadas declararam ter sofrido assédio, número superior ao de investigações abertas nos últimos sete anos. Dentre elas, 87% disseram que o assédio partiu de um superior.
O levantamento, porém, não é suficiente para retratar a frequência de casos nas Forças Armadas porque o questionário foi aplicado após circular em grupos de WhatsApp de militares sem uma metodologia amostral. Ele foi feito sem a autorização dos comandos, o que a magistrada espera obter agora, com apoio do STM.
O projeto prevê também a inclusão de uma disciplina sobre “violência de gênero” nas academias de formação militar e nos cursos de aperfeiçoamento realizados ao longo da carreira. “A gente quer trabalhar na educação do militar. A ideia é ele saber no que consiste a violência de gênero, suas repercussões jurídicas e na carreira”, afirmou a magistrada.
A proposta prevê também a capacitação de profissionais de saúde para que reconheçam um crime militar relacionado à violência de gênero. Ao identificar uma situação do gênero, encaminhariam as vítimas a uma rede de apoio, para acolhimento e orientação jurídica.
“O mais importante é ter o acolhimento e direcionamento”, afirmou Aquino. Dados do STM mostram que 56 ações penais sobre o tema foram abertas a partir de 2018. Desde o ano passado foram 29 denúncias, o equivalente a 3 a cada 2 meses. Ficam de fora desta contagem investigações ainda em curso nas unidades militares ou episódios mantidos em segredo pelas vítimas.
Em sua maioria, trata-se de militares mulheres vítimas de constrangimento e desrespeito em batalhões por colegas da caserna. Elas relatam desde cantadas e carinhos não autorizados até ataques físicos diretos em ambientes fechados, sem testemunhas.
As acusações atingiram dois coronéis e dois tenentes-coronéis da FAB. A Folha identificou, no total, 17 ações ou inquéritos abertos contra oficiais do Exército, Marinha e Aeronáutica, elite militar formada para comandar tropas.
Fonte: STM