Painel no TST promove reflexão crítica sobre o Direito do Trabalho a partir da diversidade

O Judiciário
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05/03/24 – Representantes dos povos indígenas e quilombolas, da comunidade LGBTQIA+ e das pessoas com deficiência trouxeram ao Tribunal Superior do Trabalho, nesta segunda-feira (4), uma reflexão crítica sobre o Direito do Trabalho a partir da diversidade. O encontro buscou ampliar a visão de mundo dos participantes com base em experiências e diálogos interculturais com diversos atores sociais e em diferentes territórios políticos.

O evento faz parte do curso “Letramento em Diversidade: (re) pensando o Direito do Trabalho a partir dos Territórios”, e a abertura teve um painel com o tema “O que o Direito aprendeu com as ruas?”.Portas abertas ao conhecimento

Direito nas ruas

O tema foi apresentado pelo professor José Geraldo de Souza Júnior, professor da Universidade de Brasília (UnB) e coordenador do projeto “Direito Achado na Rua”. Ele explicou que o conhecimento das ruas é formado não a partir dos meios formais, mas das experiências das pessoas nas comunidades, em seus próprios lugares de origem e nas próprias culturas originárias. 

Segundo o professor, o Direito do Trabalho contribui com o processo emancipatório. “Quanto mais emancipatória for uma sociedade, menos espoliadora e menos opressora”. afirmou. 

Território

O advogado Maurício Terena, coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) em Brasília, lembrou que a relação do Estado brasileiro com os povos originários sempre foi muito violenta e discriminatória. “Essas relações de colonialidade ainda estão presentes nos dias de hoje”, assinalou. 

Terena, que defende os povos indígenas no tribunal-federal/">Supremo Tribunal Federal (STF), faz questão de usar um cocar quando vai a tribunais. “É uma forma de marcar território”, observa. Ele destacou a conquista da Apib de ser reconhecida como parte legítima em ações no STF – inclusive na discussão do marco temporal, numa ação escrita e assinada por advogados indígenas. Sobre o tema do curso, o advogado o “traduziu”: “A pergunta é o que o direito aprendeu com as pessoas que historicamente nunca puderam manuseá-lo como norma”.

Desconhecimento

A advogada Vercilene Dias, coordenadora jurídica da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq), do território quilombola Kalunga (GO), falou sobre o que é, o que foi e como estão os quilombos. Ela destacou a necessidade do diálogo do Judiciário com a comunidade, para conhecer suas necessidades.

“Há um desconhecimento, inclusive, sobre a própria diversidade brasileira, e, quando há algum conhecimento, é muito teórico”, afirmou. “O magistrado não dialoga, não vai na comunidade, não sabe o que se passa e quais são as suas necessidades. É um olhar a partir do outro, não a partir de quem está lá vivenciando”.

Direito revolucionário

Para o desembargador Ricardo Tadeu, primeira pessoa cega a integrar o Ministério Público do Trabalho e, posteriormente, o primeiro juiz com esta condição, os dispositivos do direito mais revolucionários são os que emergiram do povo. Ele citou como exemplo o artigo 227 da Constituição Federal, que trata do direito da criança e do adolescente, que trouxe para o Brasil a Doutrina da Proteção Integral. “A redação não foi dos congressistas, foi uma emenda popular”, lembrou. 

No mesmo sentido, Tadeu disse que a Convenção da ONU sobre o Direito da Pessoa com Deficiência, de cuja redação ele participou, foi redigida por pessoas com deficiência do mundo inteiro. “Não houve atuação dos legisladores ou dos diplomatas”. Para o desembargador, a convenção é revolucionária. “Ela rompe o paradigma assistencialista e preconceituoso das legislações em relação à pessoa com deficiência”. 

Vulnerabilidade no trabalho

A advogada, ativista e política Robeyoncé Lima, reconhecida pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) como a primeira advogada trans das regiões Norte e Nordeste, ressaltou a importância e a urgência de observar grupos vulneráveis também na área do direito do trabalho. “Sabemos que há uma relação hierárquica dentro do direito trabalhista, e esses grupos, que já são vulneráveis, o são ainda mais dentro de uma relação de trabalho. Muitas vezes é necessário haver intervenção do Estado”, defendeu.

A advogada observou o contexto de precarização do trabalho da população LGBTQIA+, com muitas situações de discriminação e preconceito. “Vez ou outra, vemos casos de pessoas LGBT sendo demitidas ou proibidas de utilizar o banheiro conforme a identidade de gênero ou algum tipo de transfobia. Nesses casos, o tribunal deve intervir”.

Portas abertas

O diretor do Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Assessores e Servidores do TST (Cefast), ministro Cláudio Brandão, destacou que, durante o debate, os participantes trataram do que havia de comum e de particular nas temáticas envolvendo cada grupo. “O tribunal abriu as portas para novas temáticas a partir de falas qualificadas, de pessoas que lidam com esses temas e conhecem, portanto, a realidade, não apenas no campo jurídico, mas a partir das próprias realidades em que vivem”. 

Diversidade na prática

O curso terá seis aulas presenciais, que serão ministradas em diversos locais entre março e setembro de 2024 por representantes indígenas, quilombolas, da comunidade LGBTQIA+ e pessoas com deficiência, destacando o contato intercultural para a compreensão da diversidade na prática. Os palestrantes oferecerão perspectivas críticas sobre o direito do trabalho, percebendo-o como uma ferramenta para a emancipação, além de incluir representantes de diferentes grupos minorizados. 

(Nathalia Valente e Carmem Feijó)

  

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