- Página atualizada em 24/11/2023
Partindo da consideração do jurista francês Alain Supiot de que, “pelo contrato de trabalho, o trabalhador abdica de uma parte da sua liberdade para se colocar em subordinação a outrem”, mas somente uma parte, o professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, João Leal Amado, afirmou que a limitação do tempo de trabalho é uma preocupação que acompanha o Direito Trabalhista desde o seu nascimento. O tema foi debatido no Congresso Internacional Os Impactos das Novas Tecnologias no Mundo do Trabalho na tarde da quinta-feira (24/11).
Ele acrescentou que o intuito é criar e preservar “a própria noção de tempo livre, de tempos de não trabalho durante a vigência do contrato”, um desafio agravado pelas novas tecnologias, tendo em vista as “impressionantes mudanças na nossa forma de viver, comunicar e trabalhar, com a informatização, a internet, as redes sociais, os telemóveis, os computadores”, que favorecem “a diluição das fronteiras entre vida profissional e vida pessoal”.
Conforme João Amado, a relação entre tempo e teletrabalho põe em dúvida se esta modalidade de trabalho constitui instrumento de conciliação ou de confusão entre vida privada e profissional. Ele frisa que “o trabalho que acompanha o trabalhador, seja quando for e onde quer que este se encontre” torna o trabalhador conectado e disponível por 24 das 24 horas diárias.
“A tecnologia permite a conexão por tempo integral (hiperconexão), potencializando situações de quase escravização do trabalhador, visto como ‘colaborador’, de quem se espera dedicação permanente e ilimitada”, analisou o pesquisador português, acerca do que chama de cultura da disponibilidade permanente. Ele ressaltou que isso pode conduzir o obreiro a síndrome de burnout (ou esgotamento), distúrbios do sono, problemas de saúde física e mental e diminuição da produtividade.
João Amado ressalta que a Resolução do Parlamento Europeu, de janeiro de 2021, reconheceu o direito a desligar (desconexão) como direito fundamental “da nova organização do trabalho na nova era digital”. A intenção, segundo ele, foi criar regras novas para combater a cultura empresarial da disponibilidade permanente do trabalhador.
Constitucionalismo internacional
Na sequência do Congresso, foi a vez de o magistrado e conselheiro da Magistratura Federal do México, Sérgio Javier Molina Martinez, abordar em sua palestra a prevalência do constitucionalismo social diante das novas formas de trabalho humano.
Desafios do sindicalismo
Um dos claros efeitos da revolução provocada pelo avanço das tecnologias digitais contemporâneas se dá na prática sindical. A obsolescência do próprio conceito de categoria, estabelecido pelo artigo 511 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), se torna visível, por exemplo, segundo o juiz do Trabalho da 15ª Região, Guilherme Guimarães Feliciano, diante da chamada economia de plataformas, que abrange diversas atividades profissionais. Ele chama atenção, por esse motivo, para as novas modalidades de agregação, congregação e negociação.
De acordo com o magistrado, condutores, entregadores, coletores e teletrabalhadores se tornaram categorias emergentes e a realização de assembleias virtuais e comunicações sindicais eletrônicas tiveram de se tornar uma prática a partir da pandemia do coronavírus e da Medida Provisória 936, editada no primeiro semestre de 2020, para permitir, entre outras providências, a redução de jornada com redução de salários. Ele enfatiza, porém, que a validade de assembleias virtuais depende, legalmente, de se garantir, além do direito a voto, o mesmo espaço de debate.
Após fazer um resgate histórico do sindicalismo brasileiro em todas as suas fases, Feliciano constatou que a modificação dos modelos de negócio e das formas contratuais característica do século XXI, sobretudo com a plataformização da economia (“gig economy”), favorece o robustecimento do sindicalismo internacional. Ele frisou que entidades sindicais jamais devem esquecer porque surgiu o próprio movimento sindical.
Trabalho dependente
A professora da Escola de Direito da Universidade do Minho, em Portugal, Teresa Alexandra Coelho Moreira, tratou das plataformas digitais e o trabalho dependente, em palestra integrante também da programação do Congresso Internacional Os Impactos das Novas Tecnologias no Mundo do Trabalho. Durante a mesa, a pesquisadora enfatizou que “hoje em dia, qualquer atividade pode ser plataformizada”. Da mesma forma, porém, ela advertiu que é possível se verificar trabalho análogo ao de escravos em âmbito digital.
Teresa Moreira observou que, na prática, diz-se a respeito de grande parte destes trabalhadores que se tratam de empreendedores ou empresários, porém, a maior parte das decisões judiciais já transitadas em julgado (mais de duas centenas) tem considerado que as plataformas de entrega e transporte mantêm contratos de trabalho com aqueles que prestam serviços por meio delas (o que para elas era tido como incompatível).
Ela ainda ressaltou pontos relativos à proibição de discriminação, responsabilidade solidária das plataformas, suspensão de contratos de trabalho e acidentes de trabalho.