- Página atualizada em 24/11/2023
Uma das mais significativas investidas de transferência de poder. Assim o juiz do TRT da 5ª Região (Bahia) e professor universitário Luciano Martinez define os chamados algoritmos. O assunto foi tema de sua palestra “O Poder Diretivo Algorítmico”, durante a manhã da quinta-feira (23/11) no Congresso Internacional Os Impactos das Novas Tecnologias no Mundo do Trabalho, promovido em Fortaleza, pelo Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região (TRT-7ª), por meio de sua Escola Judicial (Ejud7).
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O juiz do Regional baiano acrescentou que, em essência, algoritmos tratam-se de procedimentos padronizados que, embora protagonistas da contemporaneidade, sempre existiram. “São apenas mandatários, sequências de um e zero, mas recebem em si uma carga de conceitos e preconceitos humanos. Eles não são neutros”, completa.
Ainda conforme o magistrado, os algoritmos se juntam a outras estruturas “igualmente anônimas, como a opinião pública e o mercado”, e aprendem por repetição e erro, porque são preditivos. Ele continuou a descrição dos algoritmos ressaltando que “eles decidem por nós, escolhem um caminho, como no caso do Waze (aplicativo de GPS para celular)” e observou que “tudo isso foi levado para o poder diretivo patronal no âmbito virtual”.
Martinez destacou que a etimologia de algoritmo remete à álgebra e que a lógica de transferência de poder está em seu próprio fortalecimento, ao deixar claro “quem manda e quem obedece” e definir dominantes e dominados, além do fato de que os poderes bélico, econômico, político e social se retroalimentam.
Gamificação
Na manhã do mesmo dia, os cerca de 600 participantes do Congresso puderam assistir, também, à exposição da advogada e professora universitária Viviane Vidigal, sobre a gamificação como gestão do trabalho. Ela explicou que gamificar o trabalho é engajar o trabalhador por meio de games (jogos) a partir, por exemplo, de promessas de recompensas (objetivo de ganhar determinado prêmio).
Ela ressaltou que a lógica da gamificação faz com que o obreiro seja compulsivo à aceitação de chamados realizados antes mesmo do término (cumprimento) do anterior, de modo que ele não disponha de tempo para refletir sobre a pertinência ou necessidade de tal aceitação. A pesquisadora considera que se demorou a identificar e entender a gamificação no âmbito do trabalho das plataformas, o que justifica também a ausência de regulamentação.
Soluções tecnológicas
“O Judiciário não é mais refratário à tecnologia. O processo digital já é realidade. E diferentemente de outros setores e até mesmo do Judiciário de outros países, optamos por sermos produtores de nossas soluções tecnológicas. Somos parte da produção de tecnologia”. A declaração partiu do secretário-geral do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), juiz Bráulio Gabriel Gusmão, durante sua palestra.
Ele enfatizou, ao tratar do tema “Transformação digital no sistema de Justiça: desafios e oportunidades”, a necessidade de alinhamento estratégico: “Muitas vezes, temos soluções tecnológicas que são brilhantes, mas que não fazem sentido para as necessidades da instituição”, justifica. Ele ressaltou o fato de que a cultura organizacional tem se mostrado aberta ao uso de dados e à inovação e explicou que os dados “são insumos básicos para se tomar decisões e extrair valores”.
O secretário-geral do CSJT alertou ser preciso observar princípios que regem o uso de inteligência artificial, por envolver aspectos sociais, tecnológicos, econômicos e éticos, de modo a evitar, por exemplo, vieses discriminatórios. Ele também advertiu para a política de segurança de informação contra ataques de hackers, o que pressupõe nível de investimento alto.
Exclusão digital
“A separação criada pelo positivismo entre direito e justiça foi o que gerou muitos genocídios. É preciso um momento de quebra de paradigma para trazer de volta a noção de justiça dentro do direito”. A advertência e o apelo foram feitos pela procuradora federal e professora universitária Chiara Michelle Ramos Moura da Silva.
Ela afirmou, em sua palestra “Novas tecnologias e exclusão digital das minorias”, que a magistratura do trabalho demonstra consciência de classe, mas isso não basta. “É preciso haver também mais consciência étnica e de gênero ao olhar os efeitos das tecnologias nas relações de trabalho”, defendeu, justificando que a construção da modernidade é uma construção burguesa e eurocêntrica, mas que não é o único modelo possível e existente.
Valorização da máquina
As novas tecnologias impõem ao mundo do trabalho desafios sobretudo quanto à questão social. Um deles é o risco de valorização das máquinas em detrimento do trabalho humano. A análise foi feita pelo professor da Universidade da República do Uruguai, Mario Garmendia Arigon, durante sua palestra. Ele apontou, ainda, os riscos de precarização do trabalho, redução salarial, aumento da desigualdade, isolamento dos trabalhadores, violação à privacidade e à proteção de dados, paralelos à crise de capacidade regulatória dos Estados e à importância da internacionalização.
Garmendia ressaltou que a proteção de salário e descanso são formas de tutela à vida e de demonstrar que trabalho não é mercadoria. Ele também enfatizou ser indiscutível que o desenvolvimento das tecnologias digitais “sem precedentes” provocou impactos “na sociedade em que vivemos e trabalhamos”, mencionando a automação e a robótica, a utilização de drones na agricultura e a realização de cirurgias por robôs.
O desembargador aposentado do TRT-3 (MG), José Eduardo de Resende (Pepe) Chaves, que presidiu a mesa da palestra, acrescentou que não é recomendável se colocar de forma obscurantista contra a automação, pois ela é bem-vinda em várias atividades insalubres e repetitivas, e validou as preocupações apresentadas pelo professor uruguaio.
O Congresso Internacional continuou com palestras na tarde da quinta-feira e na manhã da sexta-feira (24/11).