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Projeto leva jovens a produzir cultura dentro de unidades de internação do DF

Portal O Judiciário Redação

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Iniciativa que levou adolescentes internados a produzir livros de poesia, programas de rádio e fotografias em meio ao ambiente hostil do sistema socioeducativo do Distrito Federal venceu o Prêmio Prioridade Absoluta 2022, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), na categoria destinada a empresas e à sociedade civil. O projeto “Onda – Vozes da Cidadania”, realizado pela Organização não Governamental Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), oferece, há 13 anos, oficinas em estabelecimentos onde são internados adolescentes acusados ou condenados pela Justiça por atos infracionais.  

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Quando o INESC decidiu, em 2010, levar para uma unidade internação as oficinas que realizavam em escolas públicas, discutindo com estudantes da periferia direitos humanos, democracia e orçamento público, a ideia era estender a formação para pessoas em situação de maior vulnerabilidade, os adolescentes privados de liberdade. “São pessoas estigmatizadas, varridas para debaixo do tapete, não são consideradas como sujeitos de direitos”, afirma a coordenadora do projeto, Márcia Acioli. 

Considerando que todos ali tinham uma história e conhecimentos próprios, educadores e educadoras do projeto propunham conversas sobre temas que, embora não fizessem parte do cotidiano dos excluídos, diziam respeito à realidade social em que todos estavam inseridos. O ponto de partida eram perguntas, provocações para despertar reflexões nos jovens, que reagiram com surpresa à abordagem. “Muitos não sabiam que eram cidadãos com direitos”, diz a educadora.  

Um ex-interno que teve o primeiro contato com o projeto em 2020 conta que, ao conhecer a equipe do INESC, ficou tão surpreso positivamente que encarou o projeto com descrédito. “Foi surpreendente, pelo jeito que eu era tratado, pela atenção que me davam. Eles chegavam, chamavam todo mundo pelo nome. Ninguém ficava sem ser atendido. Eles tinham respostas para todas as perguntas”, afirma MC Favelinha, como prefere ser chamado atualmente, devido à carreira que trilha na música.   

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Cultura contra o silêncio  

Oficinas de comunicação ofereceram aos internados a chance de se expressar em diferentes meios, como texto, rádio e vídeo. A oportunidade de dizer o que pensavam contrastava com o silêncio que a rotina de uma unidade de internação impunha aos adolescentes. “Os mecanismos de silenciamento são próprios de uma estrutura ‘prisional’ onde não se exerce liberdade de pensamento ou de expressão. É muito comum [ouvir os comandos]: cala a boca! Mão para trás! Cabeça baixa!”, lembra Márcia Acioli.  

A prática de não tratar adolescentes em conflito com a lei como bandidos, no entanto, deu resultados surpreendentes. As aulas com a jornalista referência no rádio feminino, Mara Régia, se tornaram o programa “Liberdade é Oportunidade”, que em 2012 conquistou o terceiro lugar no prêmio 9ª Bienal Internacional de Rádio, no México. A transformação também se manifestava subjetivamente. Quando uma adolescente recebeu uma câmera para fotografar o que quisesse, sua reação foi mirar a lente para cima e a primeira imagem que produziu foi da “cor do céu”, uma paisagem incomum para uma jovem em medida socioeducativa de internação.  

As demandas que os jovens demonstraram foram canalizadas para uma campanha de comunicação, que acabou batizada “Nóis também é humano”. A mensagem de contestação ao racismo, à estigmatização e à discriminação social que os adolescentes sofrem, apesar de não constar da decisão judicial que os internou, se materializou em livro, adesivos, boletins, programas de rádio e vídeo. A antologia “Para Além das Algemas” reuniu poesias e textos escritos pelos jovens internados, ilustrada por fotografias produzidas pelos adolescentes dentro dos muros das Unidades de Internação do Recanto das Emas (UNIRE), Planaltina (UIP), São Sebastião (UISS) e Santa Maria (UISM), regiões administrativas do Distrito Federal, na periferia de Brasília.  

“Na madrugada eu respiro frio / E eu sei que vários tão sentindo / Como se estivessem sozinhos / Num terreno baldio / 1 milhão de arrependidos”, de V. G., e “Quando eu caí, tu me deu forças para eu me manter em pé / E quando eu me levantei, já parti para o mundo louco / Sem pensar nas consequências, que tudo tem troco” (Amor só de mãe, W. C.) são versos que evidenciam o processo de reflexão sobre atitudes e consequências que os adolescentes experimentaram, com a mediação dos educadores do projeto Onda.  

MC Favelinha passou a compor e se apresentar na cena do rap depois de passar pelas oficinas de texto do INESC. Quando chegou à Unidade de Internação de São Sebastião (UISS), já gostava de rap, mas nunca tinha escrito uma linha. Para piorar, passava o dia dentro do alojamento com um outro adolescente que lhe parecia estranho. “A gente não sabe qual a maldade da outra pessoa”, diz. Ao ver um outro colega apresentar uma música própria em uma oficina do projeto, Favelinha começou a escrever, mostrou aos colegas de oficina, que debatiam as ideias e compartilhavam outros assuntos que se tornariam letras de música do rapper em formação. Ao deixar a unidade, ele e seu colega tinham se tornado amigos e ambos cantavam.  

O ambiente insalubre e tenso contribui para a repetição do ciclo da violência. A cada 48 horas, um professor pede afastamento da unidade de internação em que dá aula, segundo o Ministério Público de Contas do Distrito Federal. O estudo que investigou um período entre 2016 e 2020 avaliou que as condições de trabalho podem estar relacionadas aos afastamentos. A tensão entre monitores e reeducandos é constante e já resultou em episódios de violência mútua, sem contar as agressões entre internos – muitos pertencem a grupos rivais fora do estabelecimento.   

Quem entra no sistema socioeducativo brasileiro por cometer um ato infracional tem chances de cumprir nova medida socioeducativa (23,9%) ainda adolescente. As chances de ir para a prisão aumentam depois que o jovem condenado completa 18 anos  de idade (42,5%), de acordo com estudo do CNJ que avaliou o sistema socioeducativo entre 2015 e 2019. “Se o juiz, o sistema e a sociedade acham que a pessoa vai sair diferente do sistema (socioeducativo), estão errados. A pessoa sai pior que entrou. Se você entra e já gosta de roubar, traficar, lá dentro vai ser preparado para coisa ruim, briga, faca, agente, cela”, afirma. 

MC Favelinha voltou para casa em 2021 e até hoje não voltou ao sistema. O projeto Onda lhe oferece uma bolsa de R$ 400 como apoio à reinserção social. Hoje trabalha como servente de pedreiro, enquanto espera o início de um curso profissionalizante de operador de caixa e recepcionista e o nascimento da primeira filha. “Gosto de engenharia civil, robótica, educação física, mas profissionalmente não tenho muito escolha. O que vier é lucro”, diz o ex-reeducando. A falta de perspectivas também assombra o programa, que perdeu o financiamento dos antigos parceiros, como o Conselho dos Direitos das Crianças e Adolescentes – CDCA/DF e a organização alemã Kindernothilfe (KNH).  

Prestes a completar 21 anos, o jovem considera-se “mais capacitado, psicologicamente, mentalmente” do que quando entrou no sistema. Agradece ao projeto pela transformação pessoal. “Hoje em dia faço planos. Traço metas. Quero criar minha filha”, afirma.      

Texto: Manuel Carlos Montenegro
Edição: Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias  

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