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A necessidade de avanço nas mudanças institucionais, de caráter definitivo, ganhou destaque nas participações que marcaram a manhã do II Seminário de Questões Raciais no Poder Judiciário. Na abertura, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministra Rosa Weber, reforçou o imperativo de o poder público adaptar as suas estruturas às políticas para promoção da equidade como consequência do antirracismo.
“É inegável que o racismo, em todas as suas múltiplas facetas, a despeito de todos os esforços institucionais, ainda se apresenta como um dos principais obstáculos na construção de um Estado Democrático de Direito instituído com o propósito de assegurar que todas e todos, indistintamente, mereçam tratamento digno, fundamento da pedra angular do nosso ordenamento jurídico, a nossa Constituição Cidadã, de 1988”, disse.
A avaliação foi feita após a ministra relembrar o assassinato da Ialorixá e liderança quilombola baiana Bernadete Pacífico, em Salvador (BA). Rosa Weber destacou o empenho da religiosa em denunciar o racismo e as ameaças sofridas, mesmo após a morte do próprio filho, assassinado há seis anos, sem que os criminosos tenham sido identificados.
“A violência covarde praticada contra Mãe Bernadete não representa apenas mais um crime contra uma mulher e uma agressão a todas as comunidades quilombolas que lutam para preservar sua herança e identidade. Representa também uma ofensa e uma afronta ao Poder Judiciário que se fez presente em território quilombola, com a presença de lideranças de vários pontos do país, para conhecer, partilhar e ouvir as necessidades e demandas dos que nele vivem”, afirmou.
O CNJ acompanha as investigações sobre a morte de Mãe Bernadete por meio de três colegiados: pelo grupo de trabalho do Conselho que trata sobre a regularização de territórios quilombolas, pelo Observatório de Causas de Grande Repercussão, formado pelo CNJ com o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), e pelo Observatório dos Direitos Humanos do Poder Judiciário (ODH).
Sobre a falta de equidade racial no Brasil, a coordenadora do Comitê Executivo do ODH, desembargadora Carmen Gonzalez, atribui essa realidade também à sub-representação da diversidade nos poderes, inclusive no ambiente político. “A pluralidade de experiências, perspectivas e histórias de vida levam a discussões, decisões e ações mais inclusivas e abrangentes. Por isso, a presença de mais pessoas negras no Poder Judiciário se faz tão importante.”
A mesa de abertura contou ainda com as presenças da juíza auxiliar da Presidência do CNJ Karen Luíse Vilanova Batista de Souza e do juiz auxiliar da Presidência do CNJ Edinaldo César Santos Junior. Ambos conduzem o seminário ao longo desta segunda-feira (5/8), que inclui oficinas para apresentação e debate do Programa Nacional de Promoção da Equidade Racial no Poder Judiciário aos gestores do Pacto Nacional do Judiciário pela Equidade Racial nos tribunais.
Palestras
A solenidade de abertura do seminário foi seguida por duas palestras. Em ambas, a defesa foi a de que as instituições passem a refletir e a incorporar o sentimento antirracista difuso na sociedade. “Implementar ações afirmativas sem mudar a política institucional, sem mudar a forma como se organiza a estrutura, não vai resultar em avanço. É preciso ir na direção das mudanças institucionais”, disse a secretária de Políticas de Ações Afirmativas e Combate e Superação do Racismo do Ministério da Igualdade Racial, Márcia Lima. “A política de permanência é a política da transformação institucional.”
O sociólogo, pós-doutor e professor de cursos de pós-graduação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Rodrigo Ednilson de Jesus, estudou as políticas afirmativas no desenvolvimento da sua tese de doutorado e trabalhou com as sete constituições que o Brasil teve, desde 1824. “A ação afirmativa é a intencionalidade de se construir uma outra sociedade, mas não pode estar descolada da política, que é a materialização do espírito da Constituição”, explicou. “Se temos a Carta de 1988, que prevê não apenas a participação unificada ou sintética, mas a participação multirracial, é preciso que diferentes olhos construam essa política”, acrescentou.
Ao citar os percentuais de juízes e juízas negras na primeira e na segunda instâncias, respectivamente de 12% e de 8%, o magistrado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) Fábio Francisco Esteves mostrou incômodo. “Alguma coisa de pior está acontecendo em termos de mobilidade profissional”, destacou. “A nossa grande vontade é de que a inclusão racial esteja incrustrada na instituição e, hoje, nenhum tribunal prepara o seu orçamento com a rubrica sobre inclusão racial”, relatou, ao contar das dificuldades para levar adiante iniciativas inclusivas.
A programação do seminário contou ainda com a apresentação pela diretora-executiva do Departamento de Pesquisas Judiciárias do CNJ, Gabriela Soares, do novo Perfil Étnico-Racial do Poder Judiciário, realizado pelo CNJ. Entre os dados estão estimativas de tempo necessário do regime de cotas para atingimento da equidade, além de um panorama de algumas pesquisas sobre igualdade racial e o cumprimento da Resolução CNJ n. 203/2015 e a contextualização da política de cotas raciais no Poder Judiciário.
Texto: Luiz Claudio Cicci
Edição: Sarah Barros
Agência CNJ de Notícias