Não é preciso ser especialista para saber que crianças e adolescentes precisam ter os pais e as mães por perto enquanto crescem para se desenvolverem plenamente. Contudo, para filhas e filhos de pessoas encarceradas, esse convívio, garantido pela Constituição Federal e tratados legais internacionais, precisa ser protegido pelos órgãos públicos.
Para preservar e ampliar esse direito, o Tribunal de Justiça do Acre (TJAC) atua por meio da sua Coordenadoria da Infância e Juventude (CIJ) e do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMF). A regra prevista no art. 317 do Código de Processo Penal estabelece que mulheres com filhos de até 12 anos de idade, gestantes e pessoas imprescindíveis aos cuidados de criança de seis anos de idade ou com deficiência e que estiverem detidas preventivamente têm direito a pedir prisão domiciliar.
Em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) assegurou esse direito, prezando pela absoluta prioridade da criança e adolescente, artigo 227 da Constituição, ao julgar o habeas corpus coletivo n. 143641/SP. O julgado levou a alteração do Código Penal, com a inserção do artigo 318-A, tornando obrigatória a concessão da prisão domiciliar para as mães responsáveis por crianças ou pessoas com deficiência e gestantes presas preventivamente, exceto para aquelas que cometeram crimes contra os próprios filhos ou filhas.
Impactos
Estudo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) constatou que 622 presas são grávidas ou estão em fase de amamentação. No julgamento do habeas corpus, o ministro do STF Ricardo Lewandowski havia determinado que o Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça listasse todas as presas preventivas gestantes ou mães de crianças com até 12 anos. O órgão também foi obrigado a indicar se as unidades têm superlotação, escolta para garantir o acompanhamento da gestação, assistência médica adequada, berçários e creches.
O acompanhamento das mulheres que ingressaram no sistema penitenciário acreano para identificar quais podem usufruir do benefício, assim como o monitoramento e fiscalização do sistema prisional é feito pelo GMF e pelas coordenadorias do Judiciário acreano voltadas à proteção das criança e mulheres. Esse trabalho busca preservar esses direitos e romper barreiras que impedem a concretização dessa política judiciária implantada pelo CNJ.
A coordenadora da CIJ, desembargadora Regina Ferrari, alertou durante a última edição do projeto “Abraçando Filhos”, realizada antes da pandemia da Covid-19, que “os filhos sofrem muito a ausência e a ruptura dos vínculos familiares, maternais. Então é preciso manter essa chama da família acessa para que elas possam continuar sonhando, se ressocializando e também para que os filhos possam manter essa esperança de ver suas mães voltando ao convívio social”.
O “Abraçando Filhos” é um exemplo de ação social conjunta, organizado pelo Judiciário acreano com instituições parceiras do sistema penitenciário estadual, que avança no atendimento das normas legais, quando proporcionam um momento fora das unidades prisionais para as crianças e adolescentes se encontrarem com as mães, que cumprem pena privativa de liberdade.
Outras atitudes têm sido essenciais, como as visitas e fiscalizações das unidades penitenciárias em todo o estado pelos integrantes da Justiça estadual. Em algumas visitas as magistradas e magistrados passam de cela em cela escutando cada história e compreendendo se algum caso precisa de outra avaliação.
Romper barreiras
Mas, mesmo com essas normatizações e movimentações institucionais e de organizações da sociedade civil existem resistências em relação à concessão da prisão domiciliar para mulheres gestantes ou mães de criança. Quase quatro anos depois da decisão do STF no habeas corpus coletivo, alcançando também adolescentes grávidas em cumprimento de medida socioeducativa, ainda havia pelo menos 225 gestantes e lactantes em estabelecimentos prisionais em dezembro de 2021, segundo dados do Cadastro de Grávidas e Lactantes do CNJ. No início da pandemia, o Executivo federal identificou que 12.821 mulheres presas tinham filhos menores de 12 anos.
A privação de liberdade traz impactos negativos que ultrapassam a figura da pessoa custodiada, em especial na vida de filhos, filhas e pessoas dependentes. No mês que marca o primeiro ano de vigência da Resolução n. 369/2021, que estabeleceu procedimentos a serem seguidos diante desses tipos de prisões preventivas, o Conselho Nacional de Justiça lança manual com orientações práticas que permitam subsidiar tribunais e magistrados a encaminhamentos diversos da privação de liberdade para gestantes, mães, pais e responsáveis por crianças e pessoas com deficiência, tanto no campo penal quanto no socioeducativo.
Dividido em cinco capítulos, o manual orienta as autoridades judiciárias a identificar e documentar informações sobre esse público, além de listar elementos para facilitar a tomada de decisão, incluindo propostas de entrevista às pessoas custodiadas. Além de apresentar o público-alvo e abordar legislação de interesse, a publicação traz diretrizes para o monitoramento e cumprimento da Resolução, assim como para qualificação de quem trabalha diretamente no tema.
Essas ações locais e nacionais estão interligadas com o programa Fazendo Justiça, fruto da parceria entre o CNJ e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). O programa tem apoio do Ministério da Justiça e Segurança Pública por meio do Departamento Penitenciário Nacional e busca superar os desafios estruturais no Sistema Penal e Socioeducativo brasileiro a partir da atuação dos tribunais de Justiça. No Acre, o trabalho do TJAC dentro do Fazendo Justiça aliado a diversos parceiros apresenta bons resultados, mudando um cenário inconstitucional para fomentar ressocialização, proteção de direitos e pacificação social.
Seguir o trabalho
Outro estudo que trata da questão é o relatório “A aplicação do Direito à prisão domiciliar de mulheres gestantes ou mães cumprindo prisão preventiva”. A pesquisa, publicada neste ano e disponível neste link, foi conduzido pelas organizações ANDI, Rede Nacional Primeira Infância (RNPI) com parceria do Instituto Alana. Para o trabalho foram entrevistadas 20 magistradas e magistrados de três estados brasileiros, sendo que oito são do Acre. O objetivo da pesquisa, que traz um agradecimento à desembargadora Regina Ferrari, foi verificar os elementos que influenciam nas decisões de juízas e juízes sobre a concessão ou não concessão da prisão domiciliar nessas situações.
O relatório apontou que entre as barreiras para cumprimento da norma estão as seguintes razões: gerar a sensação de impunidade; a cooptação de mulheres grávidas e mães para práticas criminosas; possível risco a integridade da criança; corroborar com visão estereotipada de que o Judiciário não mantém as pessoas presas; e ainda, a manutenção do estado inconstitucional das coisas.
Diante desse estudo e da realidade de crescimento da população feminina encarcerada no Acre que, conforme dados coletados pelo GMF do TJAC, até setembro de 2021, tinha um total de 585 mulheres, sendo que 56% delas tem idade entre 18 e 29 anos, portanto, é preciso continuar realizando o trabalho e elaborando estratégias.