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Na véspera do Natal de 2020, um crime brutal chocou o Brasil, consternou os(as) magistrados(as) brasileiros(as) e impingiu profunda dor à família da juíza Viviane Vieira do Amaral. O feminicídio da magistrada provocou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a expressar apoio e a reforçar as ações de combate à violência doméstica, como é o caso do Programa Justiça pela Paz em Casa. A ação será realizada no mesmo mês em que Paulo José Arronenzi, denunciado pelo Ministério Público como autor do assassinato, irá a julgamento popular.
O julgamento do caso está marcado para o dia 10 de novembro. Arronenzi responde por autoria de homicídio quintuplamente qualificado, o que pode aumentar a pena em caso de condenação. A juíza Viviane Vieira do Amaral tinha 45 anos e integrou o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) por 15 anos. As filhas dela – que testemunharam o crime –, hoje têm 10 e 13 anos de idade e não deverão participar da sessão do Tribunal do Júri, considerada pelo juiz Alexandre Abrahão, titular da 3ª Vara Criminal da capital, “um momento de muita exposição e dor”.
Promovido pelo CNJ em parceria com os Tribunais de Justiça estaduais, o programa foi criado para ampliar a efetividade da Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/2006), concentrando esforços dos tribunais para agilizar o andamento dos processos relacionados à violência de gênero. Ele ocorre em três semanas do ano, nos meses de março, agosto e novembro. A terceira edição de 2022 acontece de 20 a 25 de novembro.
Na última edição do programa, ocorrida em agosto, a Semana Justiça pela Paz em Casa promoveu, em todo o país, 20 mil audiências, sentenciou quase 14 mil processos e concedeu 8 mil medidas protetivas.
Compromisso da Justiça
O supervisor da Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres do Poder Judiciário do CNJ, conselheiro Marcio Freitas, diz que as Semanas “refletem o compromisso institucional da Justiça com a proteção, a prevenção e a repressão da violência doméstica e familiar contra a mulher”.
O magistrado ressalta a importância de se garantir que, durante três semanas por ano, sejam priorizados os julgamentos dos casos de feminicídios e de violência doméstica. Mas destaca também que, nesse período, sejam realizados eventos de capacitação de magistrados e servidores e de conscientização da sociedade em geral sobre o tema.
“Todas essas iniciativas ajudam a reforçar esse compromisso constante com o enfrentamento à violência contra a mulher”, diz. Ao longo dos mutirões, já foram realizadas mais de 400 mil audiências relativas a casos de violência doméstica contra a mulher e julgados pelo menos 1.700 casos de feminicídio ou tentativa de homicídio contra mulheres.
Os casos de feminicídios tentados ou consumados estarão na pauta de julgamento da maioria dos tribunais em novembro. Entre eles, dois processos que tramitam na 1ª Vara Especializada de Violência Doméstica e Familiar de Cuiabá. Nos dois processos, os réus desrespeitaram Medidas Protetivas de Urgência (MPUs) aplicadas anteriormente pela Justiça e tentaram matar suas ex-companheiras de maneira violenta.
O descumprimento de MPUs também está presente no caso da juíza Viviane. Para o magistrado titular da 1ª Vara Especializada do MT, Jamilson Haddad Campos, medidas protetivas são fundamentais e bastam para a maioria das ocorrências, mas não são 100% eficientes.
O magistrado explica que, para uma parcela dos agressores, “em especial os mais violentos, perversos e desequilibrados, que têm dificuldade em lidar e controlar suas emoções”, a concessão de medidas apenas não basta para mudar o padrão de comportamento do homem.
“É preciso que o Estado tenha um programa de grupos reflexivos para onde o juiz possa encaminhar esse sujeito. Eu vejo isso diariamente. Os homens que participam de grupos saem transformados e dificilmente reincidem”, afirma o juiz, que defende a reeducação dos homens e também dos magistrados que trabalham com essa causa.
Julgamentos recentes
Vale ressaltar que os julgamentos de feminicídios não ocorrem apenas durante os meses da programação das Semanas Justiça pela Paz em Casa, sendo feitos ao longo do ano. Em outubro, por exemplo, a 1ª Vara do Tribunal do Júri do Poder Judiciário de Roraima (TJRR) julgou um desses casos, condenando o réu a 24 anos de prisão. O homem foi preso após ser denunciado por homicídio, aborto e ocultação de cadáver. O juiz substituto da 2ª Vara do Tribunal do Júri, Ruberval Oliveira Júnior, destacou a celeridade do Tribunal de Justiça roraimense ao analisar, principalmente, os casos relacionados à violência doméstica.
“A atuação do Poder Judiciário na Semana da Justiça pela Paz em Casa é muito importante. A sociedade demanda da Justiça soluções céleres para os casos, principalmente os que envolvem violência doméstica, e, para fazer frente a essa necessidade, o TJRR se organiza e propõe esforços para fazer os julgamentos”, observa. A sessão ocorreu de maneira presencial, e o réu participou virtualmente, por meio de plataforma on-line, pois já estava preso no estado do Acre.
Também em outubro, a juíza Lívia Freitas, da Vara do Tribunal do Júri, programou uma extensa pauta de julgamentos para dar fim a processos que ficaram paralisados em razão da pandemia de covid-19. Foram agendados 14 júris, entre eles um processo de feminicídio cometido por um ex-policial civil contra uma empresária, que ocorreu em 2020.
Histórico
Iniciadas em 2015, as semanas ocorrem em março, marcando o Dia Internacional da Mulher, em agosto, por ocasião do aniversário de sanção da Lei Maria da Penha, e em novembro, quando a ONU estabeleceu o dia 25 como o Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra a Mulher.
Além dos julgamentos, o programa também promove ações interdisciplinares organizadas que objetivam dar visibilidade ao assunto e sensibilizar a sociedade para a realidade violenta que as mulheres brasileiras enfrentam.
Texto: Regina Bandeira
Edição: Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias