O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), na sessão plenária desta quarta-feira (15), apresentou voto-vista no julgamento de embargos de declaração opostos pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, referente às restrições impostas à realização de operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro (RJ) durante a pandemia de covid-19. Ele acompanhou parcialmente o voto proferido pelo relator, ministro Edson Fachin, no Plenário Virtual, e ratificado hoje.
Pontos em comum
O ministro acolheu a proposta do relator de determinar ao Estado do Rio de Janeiro a elaboração, no prazo máximo de 90 dias, de um plano visando à redução da letalidade policial e ao controle de violações de direitos humanos pelas forças de segurança fluminenses. O plano deve conter medidas objetivas, cronogramas específicos e previsão dos recursos necessários para a sua implementação.
Também concordou com a prioridade absoluta nas investigações de incidentes que tenham com vítimas crianças e adolescentes, com a obrigatoriedade de disponibilização de ambulâncias em operações policiais previamente planejadas em que haja a possibilidade de confrontos armados, e com a determinação de que o Estado do Rio de Janeiro instale equipamentos de GPS e sistemas de gravação de áudio e vídeo nas viaturas policiais e nas fardas dos agentes de segurança.
A respeito da utilização de força letal, o ministro Alexandre enfatizou apenas que a própria polícia, justificadamente, deve analisar os armamentos necessários a serem utilizados em cada operação, a partir de informes de inteligência e nos termos dos Princípios Básicos sobre a Utilização da Força e de Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei. Essa decisão, no entanto, é passível de controle posterior. Em seu entendimento, se houver exagero por parte da polícia, os agentes envolvidos devem sejam responsabilizados, mas não se podemos tirar a discricionariedade da atividade policial.
Divergências
O ministro Alexandre de Moraes divergiu de alguns pontos do voto do relator. “Tentar resolver a crise de segurança pública impedindo a polícia de atuar favorece a criminalidade”, afirmou. Para ele, é necessário equilibrar a fiscalização, o repúdio ao abuso de autoridades e a punição aos maus policiais, com a continuidade da prestação desse serviço essencial à sociedade.
A primeira dissonância apresentada diz respeito à proposta de suspensão do sigilo de todos os protocolos de atuação policial no Estado do Rio de Janeiro. Na sua avaliação, o sigilo dessas informações é imprescindível à segurança da população e do Estado e a sua publicização preventiva e absoluta coloca em risco as próprias forças policiais e suas estratégias.
Ele também discordou quanto à proibição de busca domiciliares a partir exclusivamente de informações obtidas por meio de denúncias anônimas. Na sua avaliação, é preciso considerar que essas informações chegam ao conhecimento da polícia de forma anônima em razão do medo de retaliação dos denunciantes.
Por fim, segundo o ministro, as determinações ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) para que avalie eficiência e a eficácia da alteração promovida no Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (GAESP) do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, e ao Ministério Público Federal para que investigue eventual descumprimento da decisão proferida pelo Supremo na ADPF 635 ferem a autonomia do Ministério Público estadual.
Estado de coisas inconstitucional
Ao reiterar os argumentos apresentados no voto em ambiente virtual, que acolheu os embargos de declaração, o ministro Edson Fachin reafirmou que a crise da segurança pública, sobretudo no Estado do Rio de Janeiro, “é um verdadeiro estado de coisas inconstitucional”. Nesse contexto, a seu ver, é necessário que o Tribunal, para fazer cumprir a Constituição, mantenha a jurisdição sobre o caso, propondo remédios que se fizerem adequados.
Fachin enfatizou que no Estado de Direito não pode existir “operação de vingança”, “execução extrajudicial” nem “resistência seguida de morte”, tortura ou mortes com merecimento, ou bala perdida. Em seu entendimento, quem promove esse tipo de operação ou delas participa abusa de autoridade e ataca frontalmente o Estado.
O relator afirmou que o Tribunal não pretende criticar a atuação de todas as polícias ou dificultar o trabalho de policiais, mas homenagear os policiais que honram o serviço público e que desempenham sua missão com “desarmado espírito público”. Frisou, no entanto, que “quem faz operação autonomizada não é policial, é miliciano. E miliciano não pode ter lugar no Estado de Direito e muito menos na polícia”.
Complementação
O relator fez apenas uma complementação ao seu voto quanto à instalação de equipamentos de GPS e de sistemas de gravação de áudio e vídeo nas viaturas policiais e nas fardas dos agentes de segurança. Ele acrescentou que os respectivos arquivos digitais devem ser enviados ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, podendo ser acessados, mediante solicitação prévia, pelas vítimas da ocorrência gravada, por seus familiares e representantes legais, bem como pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro.
Para ele, deve ser dada prioridade à instalação desses equipamentos nas viaturas e fardas dos agentes empregados no policiamento e em operações em favelas e comunidades pobres.
O julgamento será retomado em data a ser definida posteriormente.
SP/CR//AD
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