O ministro Paulo de Tarso Sanseverino e a ministra Isabel Gallotti passaram pelo Ministério Público e foram desembargadores antes de chegar ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), no qual completam 12 anos nesta quarta-feira (10).
Ambos têm assento em colegiados de direito privado e, recentemente, entraram para a composição da Corte Especial, o mais alto órgão julgador do Tribunal da Cidadania: Sanseverino foi designado no início de 2021, após a aposentadoria do ministro Napoleão Nunes Maia Filho; Gallotti, por sua vez, ingressou no colegiado em razão da licença médica do ministro Felix Fischer (como ele se aposenta neste mês, a ministra passará a compor a Corte Especial em caráter definitivo).
Paulo de Tarso Sanseverino atua também na Segunda Seção e na Terceira Turma. Ele fez a graduação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e é mestre e doutor em direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Foi promotor, juiz e desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, até ingressar no STJ. Desde 2017, é o presidente da Comissão Gestora de Precedentes e de Ações Coletivas.
Isabel Gallotti integra a Segunda Seção e a Quarta Turma, além de compor a Comissão de Regimento do tribunal. Formada em direito pela Universidade de Brasília (UnB), exerceu a advocacia e, antes de chegar ao STJ, atuou no Ministério Público Federal e no Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
Os dois ministros já exerceram cargos no Conselho da Justiça Federal (CJF).
Para o presidente do STJ e do CJF, ministro Humberto Martins, tanto Sanseverino como Gallotti possuem qualidades que engrandecem o tribunal. “Cada um a seu modo, Paulo de Tarso Sanseverino e Isabel Gallotti julgam de forma exemplar. São ministros preocupados com o rigor técnico das decisões, com a eficiência da prestação jurisdicional e com a promoção da cidadania”, comentou Martins.
Na sequência, um resumo de casos relevantes julgados ao longo do último ano sob a relatoria dos dois ministros.
É possível a falência de cooperativa de crédito
No Recurso Especial 1.878.653, a Terceira Turma decidiu que cooperativas de crédito podem ser submetidas a processo de falência. Sanseverino, relator, afirmou que a Lei 6.024/1974 – a qual regula a liquidação extrajudicial de instituições financeiras –, por ser de caráter especial, prevalece sobre a Lei 11.101/2005 (Lei de Recuperação Judicial e Falência). Portanto, embora haja aparente contradição entre dispositivos dessas leis, o processo de falência é possível.
O ministro observou que o artigo 2º, inciso II, da Lei 11.101/2005 exclui expressamente as cooperativas de crédito da incidência da norma. No entanto, ele apontou a existência de hipótese normativa específica de falência das instituições financeiras e equiparadas, após liquidação extrajudicial pelo Banco Central, nos termos do artigo 21, “b”, da Lei 6.024/1974.
“Filio-me à corrente doutrinária que entende pela possibilidade de decretação da falência das cooperativas de crédito, tendo em vista a especialidade da Lei 6.024/1974, de modo que o enunciado normativo do artigo 2º, inciso II, da Lei 11.101/2005 exclui tão somente o regime de recuperação judicial”, afirmou o magistrado.
Serviços não solicitados na conta do celular
Ao julgar o REsp 1.817.576, Sanseverino considerou abusiva a inclusão de novos serviços no plano de telefonia celular sem o consentimento do consumidor. Na ação que gerou o recurso, a autora alegou ter sido transferida para um plano que, sem ela pedir, incluiu aplicativos e serviços de terceiros que aumentaram o valor da conta.
A Terceira Turma seguiu a posição do relator e entendeu que agregar serviços unilateralmente ao plano original modifica seu conteúdo e viola o Código de Defesa do Consumidor (CDC).
O ministro explicou que o cuidado do legislador em separar a alteração do preço da alteração da qualidade do contrato, em diferentes incisos no CDC, teve o objetivo de realçar que a proteção do consumidor contra uma delas independe da outra. De acordo com o relator, a prática contratual adotada pela operadora foi abusiva, pois não cabe a ela decidir qual o melhor plano para o consumidor.
Para o magistrado, tal prática configura alteração unilateral e substancial do contrato, “sendo nula de pleno direito a cláusula contratual que eventualmente a autorize”.
Interpretação restrita nas exceções à regra que protege bem de família
Ao analisar o REsp 1.604.422, Sanseverino afirmou que a impenhorabilidade do bem de família não pode ser afastada só porque o imóvel foi dado em garantia a outro credor. Em razão da interpretação restritiva das exceções à regra que protege a moradia da família, a Terceira Turma reformou acórdão que, com base no artigo 3º, inciso V, da Lei 8.009/1990, havia afastado a impenhorabilidade de imóvel dado como garantia hipotecária.
Para o colegiado, como a garantia real foi constituída em favor de outro banco credor, e não daquele que movia a execução, a regra da impenhorabilidade não poderia ter sido afastada, sob pena de violação do artigo 1° da Lei 8.009/1990.
O ministro esclareceu que, diferentemente do que foi considerado pela corte de origem, não se tratava de execução hipotecária, já que o imóvel dos devedores não foi dado em hipoteca em favor do credor para a celebração do negócio objeto do processo de execução.
Na verdade, explicou o relator, houve a constituição de garantia hipotecária em favor de outra instituição financeira, no âmbito de outro contrato. “Dessa forma, não se tratando de execução da hipoteca, não há que se falar na incidência da regra excepcional do artigo 3º, inciso V, da Lei 8.009/1990”, declarou.
Alegação de bem de família após a arrematação
A Quarta Turma acompanhou o voto da ministra Isabel Gallotti, relatora, e proclamou que a regra de proteção do bem de família, relativamente a imóvel submetido a penhora e alienação judicial, deve ser invocada antes da assinatura do auto de arrematação (REsp 1.536.888).
No caso, a executada opôs embargos para questionar a penhora por outras razões, mas não invocou a condição de bem de família – o que só foi feito mais de dois meses após a assinatura do auto de arrematação.
Segundo a ministra, após a assinatura do auto, surgem os efeitos do ato de expropriação em relação ao devedor e ao arrematante, independentemente do registro no cartório de imóveis, o qual apenas se destina a consumar a transferência da propriedade com efeitos perante terceiros.
A magistrada disse que, lavrado e assinado o auto, a arrematação é considerada perfeita, acabada e irretratável, suficiente para a transferência da propriedade, nos termos do artigo 694 do Código de Processo Civil de 1973.
Casamentos, amantes e seguros de vida
No REsp 1.391.954, a Quarta Turma decidiu que a amante não pode ser beneficiária de seguro de vida instituído por homem casado. Para o colegiado, o seguro de vida não pode ser instituído por pessoa casada – que não é separada judicialmente, nem de fato – em benefício de parceiro em relação concubinária, por força de expressa vedação legal presente nos artigos 550 e 793 do Código Civil de 2002.
A ministra Gallotti, relatora, explicou que a jurisprudência fixada pelo STJ com base no Código Civil de 1916, e depois positivada no artigo 793 do CC/2002, veda que a concubina seja beneficiária de seguro de vida instituído por homem casado e não separado de fato.
A magistrada destacou, ainda, o recente entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) no RE 1.045.273, sobre a impossibilidade de reconhecimento de novo vínculo conjugal quando preexistente casamento ou união estável de um dos conviventes, ressalvada a exceção do artigo 1.723, parágrafo 1º, do Código Civil, inclusive para fins previdenciários.
De acordo com Gallotti, a orientação do STF considera que os ideais monogâmicos subsistem na ordem constitucional para o reconhecimento do casamento e da união estável, o que inclui a previsão da fidelidade recíproca como dever dos cônjuges (artigo 1.566, I, do Código Civil).
Depósitos partilhados após a separação
Em um caso que tramitou sob segredo de Justiça, a ministra defendeu a tese de que os depósitos em entidade aberta de previdência privada devem ser partilhados após a separação do casal.
Por maioria, acompanhando a relatora, a Quarta Turma deu provimento ao recurso em que uma mulher pedia a partilha dos valores aplicados por seu ex-companheiro em entidade aberta de previdência complementar durante a convivência que mantiveram. Para a turma, desde que o beneficiário não esteja recebendo proventos resultantes do plano, o investimento integra o patrimônio comum dos conviventes.
Gallotti considerou que é relevante diferenciar os segmentos fechado e aberto da previdência complementar. Ela explicou que as entidades fechadas são restritas aos empregados ou aos servidores de uma única entidade, e são consideradas complementares à previdência oficial.
Já as entidades abertas, destacou, comercializam livremente planos previdenciários, têm o lucro como objetivo e são, obrigatoriamente, constituídas sob a forma de sociedade anônima. Para a magistrada, tal obrigatoriedade “revela que a finalidade de obtenção de lucro expressa o claro critério adotado pelo legislador para distinguir o segmento aberto de previdência complementar”.
Defesa das funções institucionais do defensor público
Com respaldo nos princípios da unidade e da indivisibilidade da Defensoria Pública, a Quarta Turma decidiu que o defensor público, atuando em nome da instituição, tem legitimidade para impetrar mandado de segurança em defesa de suas funções, nos termos do artigo 4º, inciso IX, da Lei Complementar 80/1994. O processo tramitou em segredo.
O defensor havia ajuizado o mandado de segurança para garantir a sua atuação na curadoria de réu revel. O tribunal de origem, porém, entendeu que só o defensor público-geral do estado teria legitimidade para representar a instituição em juízo, de acordo com o artigo 100 da LC 80/1994.
Para a ministra Isabel Gallotti, relatora, “o artigo 100 da LC 80/1994, ao atribuir ao defensor público-geral a ##representação## judicial da DP do estado, não exclui a legitimidade dos respectivos órgãos de execução – os defensores públicos atuantes perante os diversos juízos – para impetrar mandado de segurança na defesa da atuação institucional do órgão”. Afinal, segundo ela, o que estava em discussão não era ato de competência do próprio defensor público-geral, mas a defesa de prerrogativa institucional.