Se a Constituição de 1988 garantiu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) o papel de uniformizar a interpretação da legislação federal infraconstitucional, atribuindo-lhe a definição de precedentes que orientem os juízos e os tribunais brasileiros, o Código de Processo Civil de 2015 deu ainda mais força à corte para o cumprimento dessa missão, ao tornar de observância obrigatória, por exemplo, os entendimentos fixados no julgamento de recursos repetitivos e de incidentes de assunção de competência, nos termos do artigo 927.
Para dar conta dessa atribuição – cujos efeitos principais são a diminuição do acervo processual no Judiciário e o aumento da segurança jurídica –, o STJ implementou uma estrutura voltada especificamente para a gestão dos precedentes qualificados, encabeçada pela Comissão Gestora de Precedentes e de Ações Coletivas (Cogepac), que coordena o Núcleo de Gerenciamento de Precedentes e de Ações Coletivas (Nugepnac).
Esse modelo organizacional tem apresentado resultados expressivos: em 2016 – ano em que a Cogepac foi criada, por meio da Emenda Regimental 26 –, foram acolhidas pelas três seções especializadas do tribunal 14 sugestões de afetação de temas identificados pela comissão por meio de atividades de triagem qualificada do Nugepnac (antes chamado de Nugep); em 2022, até o momento, os colegiados (mais a Corte Especial) já afetaram 44 temas repetitivos com base em recomendações da unidade, ou seja, mais que o triplo em relação ao primeiro ano de apuração dos dados.
Com exceção de 2021, quando 46 recomendações de afetação foram confirmadas nos colegiados, o número de sugestões acolhidas em 2022 supera todos os anos anteriores (foram 12 sugestões acolhidas em 2017, 18 em 2018, 32 em 2019 e 29 em 2020). Os números ainda podem aumentar até o fim do ano.
Dos 16 temas afetados pela Terceira Seção em 2022, 14 foram indicados pelo presidente da Cogepac
Para se ter uma ideia da importância da atuação da Cogepac e do Nugepnac no sistema de gestão de precedentes qualificados, dos 16 temas repetitivos da Terceira Seção afetados em 2022, 14 foram identificados pelo núcleo e encaminhados ao colegiado como sugestão pelo ministro Paulo de Tarso Sanseverino, presidente da Cogepac (da qual também fazem parte a ministra Assusete Magalhães e os ministros Rogerio Schietti Cruz e Moura Ribeiro).
Em comparação com 2016, apenas na Terceira Seção, o crescimento do número de sugestões acolhidas foi de 250%. Em 2021, a afetação de temas repetitivos, por sugestão do núcleo, já havia sido expressiva: nove indicações acolhidas pela seção de direito penal.
“Esses números mostram que a Cogepac e o Nugepnac são responsáveis por uma mudança de postura nas seções, principalmente na área de direito penal. Percebemos que o trabalho tem sido muito bem aceito e compreendido pelos órgãos julgadores”, comemora o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, presidente da comissão.
Entre os temas relevantes afetados ao rito dos repetitivos pela Terceira Seção, segundo as sugestões da Cogepac e do Nugepnac, estão a definição da incidência de majorante no caso de furto noturno (Tema 1.144); a substituição da pena privativa de liberdade na hipótese de roubo cometido com simulacro de arma de fogo (Tema 1.171); e a natureza jurídica do delito de apropriação indébita previdenciária (Tema 1.166).
No comparativo entre 2016 e 2022, a Primeira Seção registrou um aumento de quatro para 24 no número de sugestões de afetação acolhidas. Já na Segunda Seção, a variação foi de seis, em 2016, para quatro, em 2022; na Corte Especial, passou de um para dois.
Trabalho do núcleo garante segurança jurídica e previsibilidade nos julgamentos
A rotina do Nugepnac na atividade de assessoria à Cogepac consiste em acompanhar o recebimento de recursos especiais (RESps) e agravos em recursos especiais (AREsps) que veiculem questões repetitivas, relevantes ou indicativas de uma possível superação ou distinção de precedente vinculante, a fim de “garimpar” temas, selecionando controvérsias jurídicas posteriormente sugeridas aos ministros para afetação ao rito dos repetitivos.
Esse rastreamento objetiva alcançar mais rapidez, efetividade e segurança jurídica nos julgamentos, além de garantir previsibilidade nas decisões proferidas pelo Tribunal da Cidadania, por meio do monitoramento e da busca pela eficácia na análise das ações coletivas.
É um trabalho minucioso que se justifica, uma vez que o STJ recebe, diariamente, cerca de 1.700 processos. Em grande parte deles, é possível identificar questões jurídicas semelhantes para a atuação estratégica da corte na pacificação de temas, por intermédio da sistemática dos recursos repetitivos.
“Esse olhar com o foco na resolução do problema, e não somente no julgamento individualizado de casos, representa a principal missão das atividades da Cogepac e do Nugepnac, qual seja: prestar apoio aos gabinetes com sugestões de recursos que auxiliem na formação de precedentes no STJ”, destaca Marcelo Marchiori, assessor-chefe do núcleo.
Inteligência artificial a serviço da gestão de precedentes
Nessa rotina, o Nugepnac conta com dois importantes parceiros: o primeiro é o Athos, sistema de inteligência artificial do STJ, que possibilita a visualização organizada de processos, separados pela identidade de questões jurídicas; o outro é a Secretaria de Jurisprudência, que identifica, também pela ferramenta Athos, questões jurídicas pacificadas na corte que, todavia, ainda ensejam o recebimento de recursos.
A atuação do Nugepnac deve ganhar maior vulto com a Emenda Constitucional 125, que instituiu o filtro de relevância para a admissibilidade de recursos especiais, criando novos requisitos de acolhimento, semelhante à repercussão geral já existente no Supremo Tribunal Federal.
A aplicação desse filtro é fundamental para que o STJ passe a julgar com mais qualidade, reduzindo a quantidade de processos recebidos.