Transmitido ao vivo pelo YouTube do Regional, o evento reuniu estudantes, professores servidores, magistrados e público em geral.
O Comitê Permanente de Acessibilidade e Inclusão do Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região (AM/RR) promoveu, na última sexta-feira (27/10) o seminário “O Direito ao Trabalho da Pessoa Com Deficiência: Superando a Barreira do Capacitismo Estrutural”. O evento aconteceu em formato presencial no auditório da Escola de Direito da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), reunindo estudantes de graduação e pós-graduação, professores, servidores e magistrados do TRT-11, procuradores e pessoas com deficiência. Teve transmissão ao vivo pelo YouTube do TRT-11 e contou com tradução em libras.
A mesa de abertura do seminário foi composta pela desembargadora Solange Maria Santiago Morais, decana do TRT-11; a secretária executiva da pessoa com deficiência, Lêda Maria Maia Xavier, representando o Governo do Estado do Amazonas; o professor Doutor Eid Badr, representando a Reitoria da Universidade do Estado do Amazonas; o juiz do Trabalho Sandro Nahmias Melo, coordenador do Comitê de Acessibilidade e Inclusão do TRT-11; a procuradora-chefe do Ministério Público do Trabalho, Alzira Melo Costa; e o professor Ricardo Tavares, coordenador do curso de Direito da UEA.
Representando o TRT-11, a desembargadora Solange Maria Santiago Morais fez as saudações iniciais aos presentes começando a fala com sua autodescrição. Ela declarou que, infelizmente, vivemos em uma sociedade que não acolhe o diferente. “Na mesma proporção que sobem as exigências para contratação de qualquer pessoa, crescem exponencialmente as barreiras de acesso ao trabalho para pessoas com deficiência. Os obstáculos são culturais e estruturais. O direito ao trabalho da pessoa com deficiência tem que deixar de ser uma promessa. É a missão de todos nós”, afirmou.
Palestras
Os trabalhos foram conduzidos pelo juiz do Trabalho Sandro Nahmias, coordenador do Comitê Permanente de Acessibilidade e Inclusão do TRT-11, professor da UEA e organizador do evento.
A palestra de abertura do evento foi proferida pelo professor Marcelo Pereira da Costa. Ele falou sobre “O exercício do direito à educação pela pessoa com deficiência”. Graduado em letras libras pela Universidade Federal de Santa Catarina, iniciou a palestra ensinando a todos a saudação ‘boa tarde’ em libras. Marcelo nasceu ouvinte, mas ficou surdo por causa de uma meningite. Ele abordou a experiência vivida em escolas e em empresas por onde passou. “Eu trabalho desde os 21 anos na indústria. Nunca tive acessibilidade nem intérprete nas escolas e nos lugares onde trabalhei. Nas reuniões de fábrica, eu e outros surdos tínhamos que fazer, obrigatoriamente, leitura labial para entender o que estavam falando. Sempre foi muito difícil. Eu estudava e trabalhava ao mesmo tempo. Mesmo com dificuldade eu consegui me formar e concluir a pós graduação. Fui chamado para trabalhar no IFAM, ministrando o curso de libras, e consegui ser selecionado para uma vaga na Secretaria Estadual de Cultura. Hoje consigo trabalhar na minha área de formação. Mas sou privilegiado pois a maioria dos surdos que têm graduação não consegue emprego nas áreas em que são formados, como arquitetura, administração, design, educação física. O mercado e as pessoas acham que os surdos não são capazes de atuar em áreas diversas. Apenas 20% dos surdos formados conseguem trabalho na sua área de formação, o restante acaba indo para a indústria”, explicou.
Discriminação
“O Capacitismo como barreira ao trabalho” foi tema do painel da consultora da Unesco Marklea Ferst. Professora da UEA, ela falou sobre os diversos tipos de capacitismo: ativo, passivo, institucional. Também explicou as principais barreiras enfrentadas pela pessoa com deficiência no mercado de trabalho . “O capacitismo é a discriminação contra a pessoa com deficiência em virtude da deficiência. É aquele estigma de que a pessoa com deficiência não é capaz. Temos grandes problemas de continuidade das pessoas com deficiência no mercado de trabalho, pois existem muitas barreiras e preconceitos. Desde como eu converso, recebo e trato a pessoa com deficiência – capacitismo ativo; até a barreira física, como as adaptações necessárias no ambiente. Não adianta contratar a pessoa com deficiência se o meio ambiente não estiver adequado para receber esta pessoa, para que ela possa exercer a atividade em igualdade de condições com as demais. O capacitismo passivo é quando a pessoa não sabe que está sendo preconceituosa, pois lhe falta informação”, disse.
Ela destacou que não existe pessoa ‘normal’, existe pessoa com deficiência e pessoa sem deficiência. Não se acredita na capacidade da pessoa com deficiência porque não se vê a pessoa e sim a deficiência. Temos que mudar esse paradigma, temos que enxergar a pessoa e não a deficiência”, defendeu. Marklea Ferst coordena o projeto de pesquisa e extensão Mais Acesso, da UEA, que desenvolve metodologias digitais de sensibilização sobre a pessoa com deficiência e também de capacitação para profissionais e estudantes.
Desenho universal e adaptações razoáveis
Na sequência, a professora Doutora Sílvia Maria da Silveira Loureiro falou sobre “O direito à adaptação no meio ambiente de trabalho”. Ela iniciou sua fala contando sobre a deficiência visual e as dificuldades enfrentadas pela pessoa cega. “Nós não somos especiais, nem melhores nem piores, temos necessidades específicas. Ninguém tem necessidade especial, cada pessoa tem uma necessidade específica. Legalmente sou uma pessoa cega, tenho visão subnormal. Vivo no mundo do embaçado, do difícil. As pessoas vêem a deficiência como falta de eficiência. A pessoa com deficiência tem sempre que provar que é eficiente e que vai dar conta, que ela vai conseguir cumprir o prazo igual às outras pessoas”.
Foram explicados e exemplificados os conceitos de: desenho universal, adaptações razoáveis e tecnologia assistiva. “O desenho universal é todo produto, serviço ou programa que pode ser usado por qualquer pessoa sem a necessidade de adaptação, como uma porta que se abre sem a necessidade de maçaneta; uma rampa que pode ser usada por cadeirante, por uma pessoa idosa com dificuldade de locomoção, ou por uma mãe que empurra o carrinho de bebê. É o mundo ideal. Quando não é possível o desenho universal, justificadamente, a alternativa são as adaptações razoáveis”. E acrescentou: “o desenho universal e a adaptação razoável são os dois institutos relacionados à acessibilidade integral, que envolvem o respeito à vida independente e a participação na vida social com igualdade de oportunidade”.
A procuradora-chefe do Ministério Público do Trabalho (MPT), Alzira Melo Costa, abordou a temática “O capacitismo como estratégia de defesa das empresas – a atuação do MPT”. Ela enfatizou que a atuação do MPT não é apenas repressiva nem se limita ao cumprimento da cota da Lei 8213/91 para pessoas com deficiência. “Não é apenas sobre cumprir a cota. Será que a empresa está dando acesso às pessoas com deficiência? Será que estou dando igualdade de oportunidades? Será que só cumprir a cota é suficiente? Quanto a empresa lucrou ao deixar de cumprir sua ação social? A atuação do MPT não é apenas referente ao percentual da Lei, não atuamos apenas de forma repressiva. O MPT também faz um trabalho preventivo e de convencimento das empresas para que elas atendam a função social de contratar PcDs. Dar oportunidade de trabalho às pessoas com deficiência permite a inclusão e a adaptação à vida. Além disso, ter pessoas com deficiência no quadro da empresa favorece a diversidade, o crescimento da equipe e o crescimento da empresa como um todo”, afirmou a procuradora do Trabalho.
Conferência de encerramento
A conferência de encerramento do evento foi ministrada pelo desembargador Ricardo Tadeu Marques da Fonseca, do TRT da 9ª Região (PR), primeiro magistrado cego do Brasil e o único da Justiça do Trabalho. Ele focou a apresentação em aspectos gerais de inclusão das pessoas com deficiência na Organização das Nações Unidas (ONU) e na legislação brasileira, a partir de sua perspectiva pessoal.
Ricardo Tadeu começou a palestra lembrando o árduo caminho para a inclusão atual. “A luta da pessoa com deficiência no meu tempo era extremamente solitária. Minha sobrevivência foi um milagre da medicina. A sociedade mundial, há 64 anos, não estava preparada para lidar com um menino com baixa visão e com uma deficiência física”, disse. O magistrado afirmou que a visão assistencialistas em relação aos deficientes perdurou mesmo após as duas grandes guerras do século 20. “Os heróis (combatentes com sequelas físicas) de guerra eram apoiados, mas a inclusão era muito difícil”.
Ele explicou que o movimento ganhou força nos anos 1980, quando as pessoas com deficiência se mobilizaram fortemente e passaram a reivindicar os mesmos direitos civis que as mulheres e os negros conseguiram conquistar. “O Direito do Trabalho sempre serviu de norte para esses grupos minoritários”, frisou. Ainda segundo o desembargador, nos anos 2000 finalmente a ONU realizou a convenção dos direitos de pessoas com deficiência. Ele assessorou a delegação brasileira na elaboração do documento final, quando foi editada a convenção dos direitos da pessoa com deficiência. “Foi um lindo consenso forjado exclusivamente por pessoas com deficiência. Essa convenção tem um caráter profundamente revolucionário, pois abandonou o conceito clínico de deficiência”, contou.
Confira o seminário na íntegra: https://www.youtube.com/live/w25LyEJsOBU?si=9iTsISeVEsT0AXM_
Coordenadoria de Comunicação Social
Texto: Martha Arruda, com colaboração de Emerson Medina.
Fotos: Roumen Koynov