Um dos organizadores do livro Reconhecimento de Pessoas – Novo regramento sob enfoque constitucional, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Rogerio Schietti Cruz afirmou, na noite desta quinta-feira (30), que se envergonha de relatos sobre condenações judiciais sem nenhuma prova substancial. “Nós fazemos parte desta ‘máquina de moer gente’, e durante muito tempo aceitamos isso, mas temos procurado de alguma forma corrigir esses rumos. Não é possível que pessoas continuem sendo encarceradas de uma forma tão primitiva do ponto de vista da racionalidade”, disse.
A declaração foi feita no Espaço Cultural STJ, durante o lançamento da obra – organizada, além de Schietti, pelo defensor público William Akerman. Com prefácio do ministro Luiz Fux e apresentação da ministra aposentada Rosa Weber – ambos do Supremo Tribunal Federal (STF) –, e posfácio da advogada Dora Cavalcanti, o livro discute os problemas relacionados ao reconhecimento de suspeitos, colocando em destaque o alto potencial discriminatório do sistema de justiça criminal brasileiro.
Para Schietti, a atuação do STJ, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e de outras instituições está criando condições para que erros judiciais decorrentes de falhas no reconhecimento não se repitam.
“Nós não temos ideia de quantas pessoas neste país foram ou estão presas por conta dessas falhas”, comentou, citando o caso de um porteiro que foi acusado em 62 processos “sem nunca ter sido ouvido, sem nada ter sido encontrado na sua posse ou na sua residência, sem nenhuma outra prova ou testemunha, simplesmente porque alguém apontou numa delegacia a sua foto, e a partir dali todos ou quase todos os inquéritos em curso pinçaram o rapaz como autor de todos os roubos”.
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O defensor William Akerman afirmou que um levantamento nacional realizado pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro, a partir de casos em que a acusação se baseou em reconhecimento por meio de foto, verificou práticas inadequadas e injustiças agudas. Ele elogiou o julgamento no qual o STJ, alterando a jurisprudência predominante, estabeleceu que as regras do artigo 226 do Código de Processo Penal (CPP) para o reconhecimento de suspeitos não são apenas uma “recomendação” legal, mas uma exigência cuja inobservância invalida o procedimento.
“A teoria da mera recomendação até então grassava no cotidiano forense. O ponto de inflexão foi a decisão da Sexta Turma do STJ, em outubro de 2020, no HC 598.886, de relatoria do ministro Rogerio Schietti. A compreensão de que as prescrições do artigo 226 do CPP veiculavam mera recomendação foi substituída pela teoria da garantia mínima. Sem observar o regramento, ter-se-á a invalidade do reconhecimento, que não poderá servir de lastro para condenação”, ressaltou.
A defensora pública do Rio de Janeiro Rafaela Garcez disse que o ministro Schietti, com seus votos sobre o tema, reparou uma injustiça histórica no sistema criminal. “Eu represento a luta da Defensoria Pública do país por provas epistemicamente válidas, por um processo penal que não discrimine e que se baseie em provas que tenham validade e um mínimo de rigor”, afirmou.
Estiveram presentes no evento, entre outros convidados e autoridades, o ministro Joel Ilan Parciornik e os defensores públicos (todos coautores do livro) Carolina Tassara e Marcos Paulo Dutra Santos, do Rio de Janeiro; Gina Ribeiro Gonçalves Muniz, de Pernambuco, e Mariana Py Muniz, do Rio Grande do Sul, além do advogado Maurício Stegemann Dieter.