Foi aberto, nesta quinta-feira (30), no Superior Tribunal de Justiça (STJ), o V Encontro Nacional sobre Precedentes Qualificados. Realizado em parceria com o Supremo Tribunal Federal (STF), o evento reuniu ministros das cortes superiores, magistrados de todo o país e representantes do mundo acadêmico na sessão de abertura. A ministra do STJ Assusete Magalhães, presidente da Comissão Gestora de Precedentes e de Ações Coletivas (Cogepac), foi homenageada pelos colegas.
Com o tema “Diálogos para a consolidação do sistema de precedentes”, o encontro tem como objetivo aprofundar o estudo teórico e prático dos precedentes qualificados, a fim de fortalecer a cultura dos precedentes judiciais nos tribunais brasileiros.
O presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, destacou que o debate desse tema se tornou essencial devido à importância que o Poder Judiciário passou a ter no mundo ao longo das últimas décadas. Segundo o ministro, a sociedade percebeu que um sistema de justiça forte protege a democracia e os direitos fundamentais, porém, em contrapartida, são necessárias formas de racionalizar o expressivo aumento de demandas.
“No Brasil, vivemos quase uma epidemia de judicialização. Não conheço nenhum país do mundo que tenha 80 milhões de ações em curso. Considerando que temos 160 milhões de adultos no país, diríamos que uma em cada duas pessoas estaria litigando em juízo hoje”, afirmou.
Por outro lado, Barroso lembrou que mudanças legislativas passaram a valorizar a cultura de vinculação aos precedentes. Em suas palavras, essa sistemática sofreu uma verdadeira “revolução” com a introdução dos institutos da repercussão geral e da súmula vinculante na Constituição Federal, a partir da Emenda Constitucional 45/2004.
Atuação do ministro Sanseverino na Cogepac foi lembrada
Em seguida, o vice-presidente do STJ, ministro Og Fernandes, elogiou os colegas da corte que compõem a Cogepac, ressaltando a atuação do ministro Paulo de Tarso Sanseverino, que presidiu a comissão até seu falecimento, em abril deste ano.
“Quero registrar a grande contribuição da presidente da Cogepac, ministra Assusete Magalhães, na esteira do trabalho do saudoso e querido ministro Paulo de Tarso Sanseverino, que esteve à frente dessa comissão por tanto tempo”, declarou Og Fernandes.
O ministro do STJ Rogerio Schietti Cruz entregou uma placa em homenagem a Assusete Magalhães e enalteceu o trabalho da ministra na gestão de precedentes qualificados. “Assusete visitou tribunais pelo país, espalhando a cultura dos precedentes”, afirmou.
Schietti – que também faz parte da Cogepac, ao lado do ministro Moura Ribeiro – comentou ainda que Assusete Magalhães, desde sua posse na presidência da comissão, em maio deste ano, assinou 69 propostas de afetação e, como relatora, afetou 27 temas repetitivos.
Também estiveram presentes na mesa de abertura do encontro o presidente do Superior Tribunal Militar (STM), ministro Joseli Parente Camelo; o ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Alexandre de Souza Agra Belmonte, representando o presidente da corte, ministro Lelio Bentes Corrêa; e o subprocurador-geral da República Carlos Frederico Santos, representando a procuradora-geral da República interina, Elizeta Ramos.
Gestão de precedentes é sinônimo de racionalidade para o Judiciário
No painel “A importância dos precedentes para os tribunais de segunda instância”, Assusete Magalhães salientou que o Brasil teve mais de 81 milhões de processos em tramitação em 2022, a maior marca histórica contabilizada desde 2009. Em relação ao STJ – prosseguiu a ministra –, foram recebidos cerca de 429 mil processos entre janeiro e novembro deste ano, com mais de 556 mil julgamentos no mesmo período.
De acordo com a magistrada, esses dados demonstram a importância dos precedentes qualificados para o Judiciário brasileiro, especialmente em relação aos tribunais de segunda instância.
“Na medida em que se incrementa a formação de precedentes qualificados no STJ, os tribunais de segundo grau são fortalecidos. O recurso ##repetitivo## permitirá que as decisões da presidência ou da vice-presidência dessas cortes em juízo de admissibilidade sejam mais definitivas, o que resulta em eficiência, celeridade e racionalidade do Poder Judiciário”, observou.
Manter a jurisprudência íntegra e estável é dever dos tribunais superiores
Em seguida, o professor Luiz Rodrigues Wambier abordou o tema “Segurança jurídica e precedentes judiciais“, destacando que a função de organizar o sistema judicial é deferida constitucionalmente aos tribunais superiores. “A resistência que aparece muitas vezes na sociedade, no âmbito da advocacia e dos tribunais estaduais, regionais e dos juízos de primeiro grau, é injustificável. As funções do STF e do STJ são paradigmáticas para criar pautas de conduta a partir da interpretação da norma gerada no Poder Legislativo”, disse.
Segundo o professor, os recursos judiciais têm também a função de consagrar isonomia e segurança, garantindo que indivíduos cujos conflitos envolvam a mesma questão jurídica recebam do Poder Judiciário a mesma solução, ainda que ela não seja do agrado do magistrado.
Para ele, uniformizar a jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente é um dever determinado pelo Código de Processo Civil. Essa função, que o STJ assume por determinação constitucional, está relacionada à força das suas decisões enquanto parâmetros interpretativos para os demais órgãos jurisdicionais em matéria de direito federal, ressaltou Wambier.
Judiciário independente se constrói a partir da cultura de precedentes
Ainda no período da manhã, ao abordar o tema “Precedentes nos tribunais superiores”, o ministro do STF Gilmar Mendes lembrou que, a partir da Constituição de 1988, o papel do Poder Judiciário na consolidação da democracia se tornou “absolutamente relevante”, pois os tribunais superiores passaram a julgar casos de importância histórica, que repercutem em toda a sociedade. Como exemplos, citou temas enfrentados pelo STF, como a união estável homoafetiva, o antissemitismo e o racismo, a reforma do sistema prisional, a fidelidade partidária e as pesquisas com células-tronco.
Para o ministro, essa missão é ainda mais relevante no contexto atual, de alerta às democracias e ataque às instituições. Na sua avaliação, é necessário manter o Judiciário livre, independente e ciente do seu papel institucional – o que é construído a partir de uma cultura forte de precedentes, que assegure a efetividade e a observância das decisões judiciais.
São os precedentes, afirmou Gilmar Mendes, que garantem previsibilidade e estabilidade às expectativas daqueles que necessitam do Judiciário. “Assegurar a existência de um sistema de precedentes significa efetivamente concretizar a garantia constitucional da segurança jurídica, afastando das decisões as razões eventualmente discricionárias ou arbitrárias que, em última análise, prejudicam o bom funcionamento do Poder Judiciário”, concluiu.
Para a tarde desta quinta-feira estão previstas três oficinas sobre questões específicas relacionadas ao STF, ao STJ e às instâncias ordinárias.
Nesta sexta (1º), haverá quatro painéis: “Inteligência artificial e outras tecnologias para a formação e a gestão de precedentes qualificados”, sob a presidência do ministro Sebastião Reis Junior; “Precedentes e deliberação” e “Análise econômica do direito”, com coordenação do ministro Joel Ilan Paciornik; e “O futuro dos precedentes: conquistas e desafios”, sob a direção do ministro Paulo Sérgio Domingues.
A programação completa pode ser conferida aqui.