A questão da desigualdade de oportunidades, de acesso à Justiça, ao mercado de trabalho e às políticas e serviços públicos foi o tema preponderante nas palestras que formaram o primeiro painel do seminário “Por estas e por outras”, coordenado pelas ministras do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia, Rosa Weber e Ellen Gracie (aposentada). O seminário está sendo realizado durante toda esta sexta-feira (10), no STF.
O painel “Preços e desapreços: violência custa a vida”, mediado pela ministra Cármen Lúcia, contou com a participação da ministra Maria Cristina Peduzzi, presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), da empresária Luíza Trajano, da economista Maria Sílvia Bastos Marques e da jornalista Flávia Oliveira. O ministro Edson Fachin também acompanhou as explanações.
Equidade de gênero
A ministra Cristina Peduzzi, a quem coube o tema “O justo e o jurídico no (des)cuidado de gênero”, ressaltou que nem sempre o direito vigente coincide com a justiça. Um exemplo é a forma como certas proteções foram conferidas às mulheres ao longo do tempo.
Segundo a ministra, grande parte das garantias jurídicas de cuidados para com as mulheres eram, na verdade, formas de cercear suas liberdades civis, políticas e sociais. Isso mudou com as lutas históricas em defesa da equidade de gênero, mas, ainda, sem atingir sua plenitude. “Ainda há muito que ser construído em termos de igualdade material”, afirmou.
A magistrada defendeu, ainda, a necessidade de garantir uma composição democrática do Poder Judiciário, com uma representação mais fiel e equilibrada da sociedade brasileira em termos de gênero e de raça.
Medidas práticas
A empresária Luíza Trajano destacou, em sua palestra “Oportunidades e embaraços para a mulher trabalhadora”, que uma empresa que não tem mulheres e negros ou que não permite que eles cheguem aos cargos de comando não tem representatividade.
Defensora da política de cotas raciais, a empresária ressaltou a importância de desenvolver medidas práticas que viabilizem o acesso ao emprego, pois muitas mulheres deixam de trabalhar porque não têm com quem deixar seus filhos e moram longe, em trajetos que levam mais de uma hora. “É preciso, também, pensar além do acesso ao emprego, para permitir que essas pessoas tenham ascensão profissional dentro das empresas”, defendeu.
Para a empresária, as grandes mudanças vêm da sociedade civil organizada. Ela citou o Grupo Mulheres do Brasil, que congrega 101 mil associadas, como exemplo do envolvimento feminino com projetos das mais diversas áreas.
Políticas públicas inclusivas
Em sua palestra, a economista Maria Sílvia Bastos Marques questionou se a “Economia iguala? ou Desiguala?”. Em resposta, defendeu que as políticas públicas precisam ser desenhadas para serem inclusivas e que, diante de recursos escassos, as prioridades devem ser bem definidas. Segundo ela, “as políticas públicas tem desigualado mais do que igualdo”, e é preciso reavaliar benefícios fiscais e suas funcionalidades.
Maria Sílvia acredita que diversidade importa, dá resultado, faz diferença e veio pra ficar. “É preciso diversificar as oportunidades, tratando de forma desigual os desiguais, para que todos encontrem seus lugares. As empresas que não acompanharem essas mudanças não vão sobreviver”.
Para a economista, investimentos, principalmente na educação básica, levarão à transformação, a novas oportunidades de trabalho e a novas condições de vida. Na sua avaliação, o Brasil gasta muito mais em educação do que outros países, mas gasta mal.
Carências e potências
Última participante a se apresentar, a jornalista Flávia Oliveira trouxe sua visão social sobre um outro questionamento: “Pobreza e desigualdade: mulher sofre mais?”. Ela respondeu prontamente que sim, que a mulher sofre mais diante das desigualdades, principalmente se for preta, pobre e mãe solo – grupo que representa de 26% a 28% da população brasileira.
Flávia lembrou que, nas comunidades pobres, há muitas carências, mas também muitas potências, e que esse potencial artístico, criativo, cultural e de trabalho precisa ser valorizado. “São 12 milhões de pessoas na vulnerabilidade extrema, na miséria, ou na indigência, e, para resolver um problema dessa magnitude, é preciso a participação ativa do Estado, pois a sociedade civil não tem como absorver essa demanda”, avaliou.
Outro ponto abordado foi a violência dentro e fora de casa nas comunidades carentes. Flávia elogiou a iniciativa do STF de dar voz a essa população na audiência pública que discutiu as restrições às operações policiais nas comunidades do Rio de Janeiro durante a pandemia.
Foco e determinação
Durante o painel, a ministra Cármen Lúcia questionou como os brasileiros podem ter igualdade de oportunidades. Em sua avaliação, as políticas públicas podem igualar ou desigualar as condições de vida da população, e a questão do saneamento básico é um exemplo do abismo que existe na política pública do setor em áreas mais e menos favorecidas.
Segundo a ministra, para vencer essas desigualdades é preciso foco e determinação. “Aqueles que têm voz devem usar sua voz para falar em nome daqueles que não têm”, exortou. Em relação à desigualdade de oportunidades para as pessoas negras, a ministra afirmou que a elas “deram a alforria, mas não a liberdade”.
A ministra Rosa Weber encerrou a manhã de palestras, destacando que o objetivo dos debates foi plenamente atingido, “graças ao brilho e competência das nossas painelistas”.
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