STJ autoriza cultivo de maconha para tratamento de doenças

Vívian Oliveira
Vívian Oliveira
O canabidiol é conhecida há séculos e nos últimos anos ganhou notoriedade em seu uso medicinal (Foto: Reprodução/Pixabay)
Da Agência STJ (Superior Tribunal de Justiça)

BRASÍLIA – Por unanimidade, 0 STJ concedeu salvo-conduto para garantir que três pessoas possam cultivar Cannabis sativa (maconha) com a finalidade de extrair óleo medicinal para uso próprio, sem o risco de sofrerem qualquer repressão por parte da polícia e do Judiciário.

Ao julgar dois recursos sobre o tema, um de relatoria do ministro Rogerio Schietti Cruz (em segredo de Justiça) e o outro do ministro Sebastião Reis Júnior, a Sexta Turma concluiu que a produção artesanal do óleo com fins terapêuticos não representa risco de lesão à saúde pública ou a qualquer outro bem jurídico protegido pela lei antidrogas.

Os casos julgados pela turma dizem respeito a três pessoas que já usam o canabidiol – uma para transtorno de ansiedade e insônia; outra para sequelas do tratamento de câncer, e outra para insônia, ansiedade generalizada e outras enfermidades – e têm autorização da Anvisa para importar a substância. No entanto, elas alegaram dificuldade para continuar o tratamento, em razão do alto custo da importação.

Segundo o ministro Schietti, uma vez que a produção artesanal do óleo da Cannabis sativa se destina a fins exclusivamente terapêuticos, com base em receituário e laudo assinado por médico e chancelado pela Anvisa ao autorizar a importação, “não há dúvidas de que deve ser inibida a repressão criminal” sobre a conduta dessas pessoas.

Para o ministro Sebastião Reis Júnior, as normas penais relativas às drogas procuram proteger a saúde da coletividade, mas esse risco não se verifica quando a medicina prescreve as plantas psicotrópicas para o tratamento de doenças.

Laudo médico dispensa realização de perícia

Em um dos casos, o MPF recorreu ao STJ após o TRF3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região) aceitar recurso e conceder habeas corpus preventivo para permitir o plantio da maconha e a produção artesanal do óleo.

O órgão de acusação alegou, entre outros pontos, que o habeas corpus não seria o processo adequado para esse tipo de pedido, pois a falta de regulamentação de tais atividades seria uma questão administrativa.

No recurso, o MP argumentou que o pedido dos pacientes exigiria a produção de provas – que é proibida em habeas corpus –, inclusive a realização de perícia médica.

Segundo Schietti, a necessidade de produção de provas foi afastada no caso, tendo em vista que os pacientes apresentaram provas pré-constituídas de suas alegações, as quais foram consideradas suficientes pelo tribunal federal – como o fato de que estavam autorizados anteriormente pela Anvisa para importar medicamento com base em extrato de canabidiol para tratar doenças comprovadas por laudos médicos.

Em acréscimo, o ministro lembrou que, no julgamento do Tema 106 dos recursos repetitivos, o STJ decidiu que o fornecimento de medicamentos por parte do poder público pode ser determinado com base em laudo do próprio médico que acompanha o paciente, sem necessidade de perícia oficial.

Omissão para regulamentar uso da Cannabis para fins medicinais

Schietti destacou que, embora a legislação brasileira possibilite, há mais de 40 anos, que as autoridades competentes autorizem a cultura de Cannabis exclusivamente para fins medicinais ou científicos, a matéria ainda não tem regulamentação específica.

Para o magistrado, a omissão dos órgãos públicos “torna praticamente inviável o tratamento médico prescrito aos pacientes, haja vista o alto custo da importação, a irregularidade no fornecimento do óleo nacional e a impossibilidade de produção artesanal dos medicamentos prescritos”.

O ministro Sebastião Reis Júnior acrescentou que essa omissão regulamentar cria uma separação entre os doentes que podem custear o tratamento, importando os medicamentos à base de canabidiol, e os que não podem.

“A previsão legal acerca da possibilidade de regulamentação do plantio para fins medicinais, entre outros, permite concluir tratamento legal díspar acerca do tema: enquanto o uso recreativo estabelece relação de tipicidade com a norma legal incriminadora, o uso medicinal, científico, ou mesmo ritualístico-religioso não desafia persecução penal dentro dos limites regulamentares”, declarou.

Conduta não é penalmente típica

Rogerio Schietti analisou que a conduta para a qual se pediu o salvo-conduto não é penalmente típica, “seja por não estar imbuída do necessário dolo de preparar substâncias entorpecentes com as plantas cultivadas (nem para consumo pessoal nem para entrega a terceiros), seja por não vulnerar, sequer de forma potencial, o bem jurídico tutelado pelas normas incriminadoras da Lei de Drogas (saúde pública)”.

Ao invés de atentar contra a saúde pública, afirmou o ministro, na verdade, a intenção desse cultivo é promovê-la, a partir da extração de produtos medicamentosos.

“Ainda que o plantio de Cannabis para fins medicinais possa se adequar formalmente aos tipos penais previstos na Lei de Drogas, ou mesmo no Código Penal – o que justifica o habeas corpus, diante do risco potencial de responsabilização criminal dos pacientes –, não há, sob os aspectos subjetivo e material, tipicidade na conduta, tanto por falta de dolo quanto à extração de substâncias entorpecentes a partir da referida planta, como por absoluta falta de lesividade à saúde pública ou a qualquer outro bem jurídico protegido em nosso ordenamento jurídico”, concluiu.

Em complemento, Sebastião Reis Júnior ponderou que a tipificação penal do cultivo de planta psicotrópica está relacionada à sua finalidade.

“A norma penal incriminadora mira o uso recreativo, a destinação para terceiros e o lucro, pois nesse caso, coloca-se em risco a saúde pública. A relação de tipicidade não vai encontrar guarida na conduta de cultivar planta psicotrópica para extração de canabidiol para uso próprio, já que a finalidade aqui é a realização do direito à saúde, conforme prescrito pela medicina”.

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