Não tem direito à herança quem atentar contra os pais, independentemente de motivo

Vívian Oliveira
Vívian Oliveira
Ministra Nancy Andrighi (Foto: ASCOM/STJ)
Da Agência STJ (Superior Tribunal de Justiça)

BRASÍLIA – Ao rejeitar o recurso especial de um homem que matou os pais quando tinha 17 anos de idade, a Terceira Turma do STJ confirmou que essa conduta está abrangida pela regra do Código Civil, que exclui da sucessão quem atenta contra a vida do autor da herança.

Por unanimidade, o colegiado entendeu que a interpretação da lei deve ir além da literalidade e considerar os valores éticos que ele protege.

A pedido de seus irmãos, o tribunal de segunda instância declarou a indignidade do recorrente e o excluiu da herança deixada pelos pais, ainda que, tecnicamente, não se tratasse de homicídio doloso, mas de ato infracional análogo, pois foi cometido na adolescência.

Taxatividade é confundida com interpretação literal

Em razão dessa diferença técnica, o recorrente alegou ao STJ que o ato praticado não se enquadraria nas hipóteses de exclusão da sucessão, as quais estariam taxativamente elencadas na lei e deveriam ser interpretadas estritamente, por serem regras restritivas de direito.

A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, observou que, de acordo com a doutrina majoritária, o Código Civil é taxativo, o que impede a criação de outras hipóteses por meio da analogia ou da interpretação extensiva.

Segundo ela, caso se interpretasse literalmente a lei – que contém a palavra “homicídio” –, o recorrente não seria excluído da sucessão, pois o que houve foi um ato infracional análogo ao crime de homicídio.

No entanto, a magistrada destacou que o fato de ser taxativo não determina que o rol seja interpretado de forma literal.

“Frequentemente, confunde-se taxatividade com interpretação literal, o que é um equívoco”, afirmou.

Norma baseada em valores éticos e morais

De acordo com a relatora, a exclusão de herdeiro que atenta contra a vida dos pais é uma cláusula geral fundamentada em razões éticas e morais, a qual está presente nas legislações desde o direito romano.

No Brasil, explicou a ministra, o núcleo essencial dessa regra é a exigência de que a conduta do herdeiro seja proposital (ou dolosa), ainda que a morte não se concretize, pois o bem jurídico que se pretende proteger é a vida dos pais.

Dessa forma, tal norma do Código Civil deve ser entendida como: não terá direito à herança quem atentar, propositalmente, contra a vida de seus pais, ainda que a conduta não se consume, independentemente do motivo.

Diferenciação do âmbito penal não se aplica à exclusão civil do herdeiro

“É por isso que a diferença técnico-jurídica entre o homicídio doloso (praticado pelo maior) e o ato análogo ao homicídio doloso (praticado pelo menor), conquanto seja de extrema relevância para o âmbito penal, não se reveste da mesma relevância no âmbito civil”, afirmou.

Ela acrescentou que essa diferenciação é pouco relevante porque os valores e as finalidades que nortearam a criação da norma civil pressupõem a produção dos mesmos efeitos, independentemente de o ato ter sido cometido por pessoa capaz ou por relativamente incapaz, sob pena de não se atingir a sua finalidade preventiva.

“É indiscutível o fato de que o recorrente, que à época tinha 17 anos e seis meses, tirou propositalmente a vida de seu pai e de sua mãe”, concluiu Nancy Andrighi ao manter a sentença.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.
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