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O direito territorial dos quilombolas não se perde ao tempo da publicação da Constituição, defende PGR

Vívian Oliveira
Vívian Oliveira
Quilombola de Pedro Gomes - Família Quintino (Foto: Angela Epifanio/SECIC-MS)
Da Agência MPFederal

BRASÍLIA – A simples alegação de que povos quilombolas não ocupavam, na época da promulgação da Constituição Federal, o território do qual seus remanescentes buscam reconhecimento e demarcação é insuficiente para afastar a tradicionalidade da ocupação e dos direitos dessas comunidades.

Esse é o posicionamento defendido pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, em memorial no ARE (Recurso Extraordinário com Agravo) 1.360.309, encaminhado aos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal).

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No documento, Aras pede que a Corte reconheça a repercussão geral da matéria, uma vez que o entendimento está firmado na jurisprudência do STF e é de grande relevância política, social e jurídica.

O caso tem origem em ação de anulação do procedimento de demarcação efetivado pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). O órgão caracterizou o imóvel rural dos autores da ação como pertencente a área de ocupação por remanescentes de comunidades quilombolas.

Ao julgar o processo, a Justiça Federal de Mato Grosso do Sul ressaltou que somente os territórios quilombolas já ocupados à data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988, é que poderiam ser caracterizados nos moldes do procedimento do Incra.

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Contra essa decisão, o MPF entrou com recurso extraordinário com o objetivo de afastar esse tipo de interpretação do ordenamento jurídico brasileiro.

Conforme pontua a PGR, para que haja o reconhecimento de repercussão geral, a questão central dos casos em debate deve ter potencial para refletir solução a ser aplicada a inúmeros processos em trâmite no país, sobre a mesma matéria.

No memorial, Augusto Aras aponta dados fornecidos pelo Incra que demonstram a “necessidade de decisão definitiva do STF como guardião máximo da Constituição, no intuito de pacificar os conflitos que emergem das disputas fundiárias e concretizar a vontade constitucional de proteção dos direitos territoriais dos quilombolas”.

O documento mostra que, no período de 2003 a 2020, o Incra registrou 1.798 processos administrativos, que envolvem 36.619 famílias quilombolas – sendo que apenas 45 territórios foram titulados.

O memorial ministerial destaca, ainda, a existência de mais de 200 ações civis públicas propostas contra o Incra pelo MPF e pela DPU (Defensoria Pública da União), assim como 192 processos judiciais prioritários e relevantes referentes à desapropriação de território quilombola.

Na avaliação de Aras, o reconhecimento da repercussão geral também servirá para reafirmar a jurisprudência do STF, que reconhece expressamente o direito das comunidades remanescentes de quilombos aos seus territórios.

“Essa Corte, em consonância com o entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, consignou que a tradicionalidade da ocupação não se perde ao tempo da promulgação da Constituição se a comunidade tradicional não estava na posse mansa e pacífica de suas terras, de sorte que a violência praticada ao longo da história não subtrai o direito sobre as terras tradicionais com as quais mantém relações territoriais nem descaracteriza, por si só, a tradicionalidade da ocupação”, afirma.

Sugestão de tese

Nos termos do artigo 68 do ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias) e do julgamento da ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 3.239 pelo Supremo, o PGR sugere a seguinte tese para fixação de tema de repercussão geral.

“É insuficiente para afastar a tradicionalidade da ocupação e os direitos dos remanescentes de quilombos sobre as terras objeto de demarcação a mera alegação de que os integrantes da comunidade não estavam no território quando da promulgação da Constituição e de que há títulos formais conferido a propriedade a particulares”.

A referida norma do ADCT garante o reconhecimento da propriedade definitiva aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras, devendo o Estado emitir os respectivos títulos.

Já no julgamento da ADI mencionada, o relator do recurso extraordinário em análise, ministro Edson Fachin, afirmou que nem a topologia da norma constitucional “tem o condão de restringir o direito dessas comunidades, por meio do estabelecimento de um marco temporal objetivo que limita a aquisição e o exercício do direito ali proclamado”.

Íntegra do memorial no ARE 1.360.309

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