Da assessoria do STJ
Por descompasso com a legislação vigente, a Quinta Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) deu provimento a recurso em mandado de segurança para tornar sem efeito uma decisão de arquivamento de inquéritos e determinar o envio dos autos ao procurador-geral do MPSP (Ministério Público de São Paulo), para a revisão do pedido de arquivamento formulado pela acusação.
No recurso, uma empresa de fomento mercantil pediu a reforma do acórdão do TJSP (Tribunal de Justiça de São Paulo) que acolheu o parecer do MPSP pelo arquivamento de dois inquéritos policiais que investigaram crimes de estelionato, simulação de duplicatas e formação de quadrilha.
Um dos inquéritos foi aberto por representação da empresa de factoring, que apontou a emissão de 252 duplicatas frias por uma transportadora, sua cliente, no valor de mais de R$ 2,5 milhões.
O outro inquérito, que tramitou em conjunto, foi instaurado a pedido da transportadora contra um de seus funcionários, o qual, segundo a empresa, teria sido o único responsável e beneficiário das fraudes.
Em seu depoimento, o funcionário confessou a emissão das duplicatas frias e a falsificação das respectivas notas fiscais, mas alegou que tudo foi feito no interesse econômico dos sócios da empresa e de seus familiares.
Controle sobre homologação de arquivamento de inquérito é excepcional
Após a apresentação do relatório final, com a síntese dos depoimentos das testemunhas, vítimas e investigados, o promotor entendeu haver dúvida razoável acerca da autoria dos crimes, pois os investigados se acusaram mutuamente, e requereu o arquivamento do caso – o que foi acolhido pelo juízo de primeiro grau.
A empresa de factoring impetrou mandado de segurança contra a decisão, mas o TJSP negou o pedido sob o fundamento de que a vítima de crime de ação penal pública incondicionada não tem o direito líquido e certo de impedir o arquivamento do respectivo inquérito, pois é da competência do MP valorar a suficiência ou não das provas para a instauração da ação penal.
O relator do recurso no STJ, ministro João Otávio de Noronha, explicou que a decisão de homologação de arquivamento de inquérito admite controle judicial em casos excepcionais, quando proferida em desconformidade com o ordenamento jurídico.
Para o magistrado, a análise do relatório final confeccionado pela autoridade policial demonstra que os delitos investigados tiveram sua materialidade comprovada, pois duplicatas frias foram efetivamente emitidas e negociadas, o que causou prejuízo para a empresa de factoring.
Prova de materialidade e indícios de autoria permitem abertura da ação penal
Segundo Noronha, a autoria dos crimes, ao menos em parte, foi adequadamente apurada, tendo havido a identificação do funcionário que os executou. “A dúvida que existe é apenas se agiu em benefício próprio ou em benefício dos sócios da sacadora e de seus familiares”, acrescentou o relator.
No entender do ministro, a comprovação da materialidade e a presença de indícios de autoria mediata e imediata caracterizam justa causa para a ação penal, não sendo exigível sua demonstração plena e irrefutável no encerramento da investigação criminal.
Ao dar provimento ao recurso, Noronha acrescentou que a justificativa apresentada para o arquivamento “fortalece o uso de empresas como escudo para a prática de condutas delituosas”, já que, segundo ele, prevalecendo esse entendimento, toda vez que administradores e funcionários se acusassem mutuamente haveria impunidade.
“Estratégias de defesa ancoradas na imputação de responsabilidade aos demais investigados (uns aos outros) não podem impedir a persecução penal em prejuízo da vítima, a quem se deve garantir o acesso à Justiça e o devido processo legal”, afirmou.
Ao citar precedentes das turmas de direito penal, o magistrado acrescentou que a “excepcional intervenção” do Poder Judiciário para desconstituir decisões de arquivamento de inquérito inadequadamente fundamentadas encontra apoio na jurisprudência do STJ (RMS 24.328 e HC 66.171).