Da Agência CSJT (Conselho Superior da Justiça do Trabalho)
CUIABÁ – Formalizar um contrato escrito, com a assinatura de duas testemunhas, é condição essencial para que alimentação e moradia fornecidas ao trabalhador do campo não sejam contabilizadas como parte do salário.
A exigência, prevista na Lei do Rurícola (5.889/1973), tem sido observada pelo TRT23 (Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região – MT) ao decidir sobre os reflexos dessas parcelas nas verbas trabalhistas.
Foi o que ocorreu no processo movido por um trabalhador rural da região de Campo Novo do Parecis julgado recentemente pela Primeira Turma do Tribunal.
A relatora do processo, desembargadora Adenir Carruesco, concluiu que a alimentação fornecida pelo fazendeiro era parte da remuneração, formato chamado de salário in natura ou salário-utilidade. A decisão foi acompanhada por unanimidade pelos julgadores.
Além do pagamento em dinheiro, a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) identifica como salário qualquer prestação in natura que a empresa fornece habitualmente ao empregado.
A Lei do Rurícola foi alterada em 1996 pela Lei 9.300 e, a partir de então, passou a exigir um contrato escrito entre as partes e notificação ao sindicato dos trabalhadores rurais para ficar descaracterizada a natureza salarial da moradia e alimentação fornecidas no campo, mesmo que não exista cidade próxima à fazenda.
Ao se defender, o empregador de Campo Novo argumentou que a fazenda fica distante 30 km da cidade e a alimentação era oferecida apenas para tornar viável a prestação do serviço, não como forma de recompensar o trabalhador. Desse modo, não possuía natureza salarial. Alegou também que a comida era descontada da remuneração.
Indicando decisões do TST (Tribunal Superior do Trabalho) e do próprio TRT23, a relatora lembrou que sem o cumprimento das condições impostas pela lei só resta reconhecer as utilidades fornecidas como parte do salário, sendo a alimentação, no percentual de 25% sobre o salário mínimo, e a moradia, de 20%. E ainda, a repercussão desses percentuais em outras verbas trabalhistas.
Como o fazendeiro não apresentou o contrato escrito, a Primeira Turma confirmou a sentença da Vara do Trabalho de Campo Novo do Parecis que determinou o pagamento ao empregado de 25% do salário mínimo, a título de salário in natura, com reflexos nas férias, 13º e FGTS.
Súmula 22 do TRT
Outro caso recente foi decidido na Segunda Turma. Por unanimidade, os desembargadores mantiveram sentença que reconheceu a alimentação e moradia fornecida pelo empregador como parte do salário.
Da mesma forma que no caso julgado pela Primeira Turma, o empregador alegou que a moradia era necessária para a realização do trabalho, e não como forma de recompensar o empregado, uma vez que a fazenda ficava a 70 km da cidade.
Por fim, apontou a Súmula 367 do TST, para reforçar o argumento de que se a alimentação e moradia for fornecida, de forma não onerosa, para que o serviço possa ser prestado, constitui-se como instrumento de salário e não deve integrar a base de cálculo da remuneração.
Entretanto, a Segunda Turma acompanhou por unanimidade o voto da relatora, desembargadora Beatriz Theodoro, que enfatizou o fato da lei não deixar dúvidas quanto à necessidade de cumprir as suas exigências.
Do contrário “tais benefícios serão necessariamente considerados como salário utilidade, particularmente quanto ao empregador rural, independentemente do fato de serem oferecidos onerosa ou gratuitamente”.
A Segunda Turma salientou, por fim, que o assunto já foi pacificado no tribunal, com a Súmula 22 publicada em 2015, estabelecendo que a moradia e a alimentação fornecidas pelo empregador rural ao seu empregado seguem a regra geral da Lei do Rurícola.
Tanto a decisão da 1ª Turma quanto a da 2ª Turma transitaram em julgado no início de maio e não há possibilidade de recursos.
Salário in natura não reconhecido
Desfecho diferente ocorreu em sentença proferida mês passado na Vara do Trabalho de Nova Mutum. A apresentação de contrato firmado entre o trabalhador e o empregador isentou um fazendeiro da região do médio-norte mato-grossense de pagar diferenças pelos itens fornecidos a seu ex-empregado.
O contrato continha referência expressa ao ponto exigido pela Lei do Trabalhador Rural bem como a assinatura de duas testemunhas e a autorização dada pelo trabalhador para os descontos.
Por fim, o empregador comprovou que os benefícios oferecidos eram descontados mensalmente na folha de pagamento, como previsto em Convenção Coletiva de Trabalho.