Buscando trazer melhorias para o Poder Judiciário e, ao mesmo tempo, humanizar a prestação jurisdicional, debater novas práticas e aplicar, no sistema de Justiça, projetos fundamentais para a sociedade, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) revitalizará o seu Laboratório de Inovação e Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (LIODS), criado pela Portaria STJ/GP 12/2022.
O projeto dos laboratórios busca instalar, em cada órgão do Judiciário, um ambiente de inovação e de implementação de ideias que gerem novos produtos, serviços e processos de trabalho, e, ainda, maneiras diferentes de solucionar problemas complexos surgidos nas atividades judiciais.
A assessora de Gestão Estratégica do STJ, Elaine Nóbrega Borges, explica que os laboratórios foram criados com base na Política de Gestão da Inovação, visando o aprimoramento das atividades dos órgãos judiciários, por meio da difusão da cultura da inovação, com a modernização de métodos e técnicas de desenvolvimento do serviço judiciário, de forma coletiva e em parceria, com ênfase na proteção dos direitos e das garantias fundamentais previstos na Constituição Federal.
Com a revitalização do seu LIODS, o STJ procura fazer com que as pessoas entendam a importância de se ter um espaço horizontalizado para a discussão de problemas complexos, com uma visão sistêmica da organização. “Será um espaço colaborativo onde uma equipe se reunirá para buscar a solução de problemas complexos (wicked problem), com a ajuda de um laboratorista”, informou Elaine Nóbrega.
Já para a assessora de Gestão Sustentável do STJ, Ketlin Feitosa, a importância do LIODS consiste em promover o diálogo e abrir caminhos para que soluções alternativas sejam levadas em consideração.
“Num ambiente de LIODS, nada pode ser desperdiçado. Uma ideia não convencional pode evoluir para a solução de um problema de difícil enfrentamento. Outro ponto de destaque é que o LIODS proporciona um espaço de prototipagem, no qual as sugestões apresentadas sejam testadas antes de serem colocadas em prática”, apontou.
Promoção dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030
Também é atribuição dos laboratórios promover os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) traçados pelas Nações Unidas por meio da Agenda 2030, a qual define 17 objetivos principais, como erradicação da pobreza, igualdade de gênero, redução das desigualdades, educação de qualidade e justiça.
Ketlin Feitosa avaliou que os LIODS podem auxiliar na resolução de problemas que impactam fortemente os ODS, já que o ambiente dos laboratórios de inovação é propício para trabalhar a temática. “No ambiente de LIODS, todos têm voz, todos são importantes, e as ideias vindas de pontos diversos podem enriquecer os trabalhos desenvolvidos, dada a transversalidade dos ODS, que têm como características principais a indivisibilidade e a indissociabilidade de temáticas voltadas a paz, prosperidade, pessoas, planeta e implementação de parcerias”, afirmou.
A assessora também ressaltou que, a partir do laboratório de inovação, o STJ já realizou alguns projetos ligados aos ODS, como a reserva de vagas para mulheres em situação de violência doméstica ou familiar nos contratos de terceirização, que resultou na Instrução Normativa STJ/GP 15/2022.
Outro projeto destacado pela assessora, que surgiu a partir de reuniões do LIODS/STJ, foi a criação, pela Secretaria Judiciária, de uma correlação entre os assuntos das Tabelas Processuais Unificadas e os ODS, trabalho que, segundo Ketlin, possibilita que o tribunal saiba, com precisão, quantos processos estão relacionados com cada ODS, podendo, assim, priorizar ações.
A assessora indicou, ainda, qual será o novo projeto a ser discutido pelo laboratório de inovação do tribunal: “Está em andamento a contratação do inventário de gases de efeito estufa (cumprimento do artigo 24 da Resolução CNJ 400/2021), assunto que será levado ao LIODS/STJ”.
Regulamentação e instalação do LIODS
Empenhado em aprimorar as atividades dos órgãos judiciários, por meio da difusão da cultura da inovação, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou, em 2021, a Resolução 395. Em seu primeiro capítulo, a resolução define o conceito de inovação e lista princípios da gestão da inovação, como transparência, participação, cultura da inovação, foco no usuário e sustentabilidade.
O segundo capítulo aborda a implementação da política da gestão da inovação, incentivando os tribunais a instituir seus próprios laboratórios de inovação. No terceiro capítulo, estão elencadas as competências do LIODS do CNJ, entre elas: construir soluções ágeis e práticas colaborativas; incentivar a inovação; estabelecer parcerias com outros laboratórios; e disseminar o conhecimento de métodos inovadores e ágeis.
O quarto capítulo institui a Rede de Inovação do Judiciário (RenovaJud), comunidade destinada a impulsionar a gestão da inovação na Justiça e divulgar boas práticas, promovendo a colaboração e a troca de experiências. Hoje, pelo menos 48 instituições judiciais brasileiras formam a RenovaJud, cada uma investindo em seu próprio laboratório da inovação, com o objetivo de estimular a cultura de inovação e melhorar os serviços judiciários.
Laboratório da Justiça Federal de São Paulo inspirou criação dos demais
O primeiro laboratório desse tipo, que inspirou a criação dos demais, foi o Laboratório de Inovação da Justiça Federal em São Paulo (iJuspLab). A supervisora do iJuspLab, Elaine Cristina Cestari, conta que foi a partir desse laboratório que nasceu a ideia do LIODS. “Tudo começou quando a então conselheira do CNJ Maria Tereza Uille veio conhecer o iJuspLab, com uma turma de alunos do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), e se encantou e sugeriu um projeto de alinhamento das Metas do Judiciário aos ODS da Agenda 2030”, relatou.
O laboratório utiliza a abordagem do design thinking, que significa percorrer uma série de etapas que promovem uma definição clara do problema, a geração e a seleção de ideias de solução, prototipação e teste. O trabalho é conduzido por facilitadores treinados, mas realizado de fato por equipes compostas por todos os atores envolvidos ou impactados.
Entre os projetos do iJuspLab, destaca-se o Programa e-Vara, nascido de uma oficina de design estratégico para redesenhar e modernizar a estrutura das varas judiciais, adequando-as à nova realidade do processo eletrônico. O protótipo desenvolvido envolve separar o núcleo da atividade judicial (e-Vara, responsável pelas decisões e pela gestão do acervo) e as atividades padronizadas, que são feitas de forma repetida em todas as secretarias (Central de Processamento Eletrônico, que atende a várias varas ao mesmo tempo).
Segundo Elaine Cestari, depois de quase seis anos de atividade, o principal impacto que se nota com o laboratório é a adesão a uma nova mentalidade, “aberta à discussão e à exploração dos problemas, à busca de dados e evidências para fundamentar as decisões, ao hábito de incluir o usuário no processo decisório, sempre que possível, e ao entendimento de que inovação não é um ponto de chegada, mas um caminho: todo produto, serviço ou resultado pode ser melhorado, e é preciso estar atento à necessidade de mudança”.
Laboratório do TJGO desenvolve atividades em ambiente colaborativo
O Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) foi uma das primeiras cortes brasileiras a criar seu laboratório de inovação. Instituído pela Decreto Judiciário 391/2020, o Inovajus (Laboratório de Inovação do Poder Judiciário do Estado de Goiás) recebe sugestões de desafios por diversos canais e desenvolve, por meio de oficinas, propostas institucionais inovadores para o aperfeiçoamento da atuação institucional e a solução dos problemas.
O laboratório também desenvolve ações de comunicação (matérias, podcasts, lives) e capacitação (seminários, palestras) visando fomentar e disseminar a cultura da inovação, além de celebrar parcerias com outras instituições do Poder Judiciário e de ensino para o desenvolvimento de soluções conjuntas de inteligência artificial (IA), linguagem simples e direito visual.
Entre os principais projetos desenvolvidos pelo Inovajus, estão o aperfeiçoamento dos serviços prestados pelo plantão judiciário, o desenvolvimento do sistema de Inteligência Artificial Berna (Busca Eletrônica em Registros usando Linguagem Natural) e a criação de um armazém de dados único para o tribunal goiano.
De acordo com a coordenadora de inteligência e inovação do TJGO, Jaquelline Martins e Silva, o foco desses projetos é prestar um serviço judicial mais rápido, por meio do uso de ferramentas e procedimentos ágeis, e alcançar a satisfação de usuários e integrantes do sistema de Justiça.
“Pretende-se centralizar e consolidar dados de várias fontes e promover a unicidade das informações entre as áreas deste Poder Judiciário, de modo a contribuir para a tomada de decisão, o planejamento de políticas públicas, a prestação de informações ao CNJ e a atuação de magistradas e magistrados, servidoras e servidores, em cada unidade jurisdicional”, apontou Jaquelline.
LIODS/CNJ ajudou no monitoramento de processos relacionados à Covid-19
O CNJ, por sua vez, tem, ao menos, dez oficinas de inovação em andamento, sobre temas como medicamentos, agrotóxicos e violência contra a mulher e participação feminina. O LIODS/CNJ, inclusive, foi responsável pelo desenvolvimento do primeiro painel interinstitucional de dados abertos sobre a Covid-19, que monitora o quantitativo de processos relacionados à pandemia e o seu impacto no Poder Judiciário.
Com base nessa ferramenta, foi possível perceber, em abril de 2021, que o número acumulado de processos correlacionados com a Covid-19 totalizava 331 mil, sendo 214 mil referentes ao auxílio emergencial, tema que demandou atenção especial do Judiciário por conta do grande volume de litígios e da situação vulnerável dos cidadãos que não conseguiram acessar o benefício.
O monitoramento de dados sobre a judicialização do auxílio emergencial só foi possível a partir da inclusão desse assunto no sistema de gestão das Tabelas Processuais Unificadas, demanda que surgiu da atuação do LIODS/CNJ. O objetivo foi permitir o prévio cadastramento da informação, o seu acompanhamento, a extração de dados estatísticos e a promoção de ações estratégicas em relação ao auxílio.
A experiência com a Covid-19 evidenciou ainda mais a dificuldade contemporânea de encontrar informações estatísticas. Desse modo, os resultados reforçam a importância da classificação adequada dos assuntos e das classes dos processos para a construção de bases de dados que reflitam mais fielmente os problemas sociais identificados a partir do litígio. Mapear as bases de dados já produzidas e integrá-las é um dos desafios para a construção dos indicadores do Poder Judiciário para a Agenda 2030 da ONU.
Como consequência desse estudo, foi instituída a Resolução CNJ 333, a qual mira a inclusão do campo “estatística” na página principal dos sites dos órgãos judiciais, com a intenção de reunir dados abertos, painéis de Business Intelligence e relatórios estatísticos referentes à atividade-fim do Poder Judiciário.
Laboratório do TJDFT atua para ampliar o acesso da sociedade à Justiça
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) é outra corte que já instituiu o seu laboratório de inovação. Criado pela Resolução 8/2020, o laboratório, que recebeu o nome de Aurora, procura transformar a relação institucional com a sociedade por meio da cultura da inovação e de redes que estimulem e valorizem a criatividade e a colaboração entre magistrados, servidores, jurisdicionados e demais atores que exerçam função essencial à Justiça.
Hoje, os projetos de maior destaque do Aurora são o TJDFT+simples e o Expedição 4.0. Ambos os projetos se alinham à Estratégia Nacional 2021-2026 estabelecida pela Resolução 325/2020 do CNJ, que traz como um de seus macrodesafios o fortalecimento da relação do Judiciário com a sociedade, referindo-se à adoção de estratégias de comunicação e de procedimentos objetivos, ágeis e em linguagem de fácil compreensão, visando à transparência e ao fortalecimento da Justiça como instituição garantidora de direitos.
O primeiro se refere a uma iniciativa institucional que une linguagem simples e direito visual para ampliar o acesso da sociedade à Justiça, por meio de comunicações mais claras, acessíveis e inclusivas. O programa busca, ainda, promover a uniformização da identidade visual de documentos e materiais informativos elaborados no TJDFT, de forma que seja amplamente reconhecida pelo seu público.
Para disseminar os conteúdos relacionados à linguagem simples e ao direito visual, foi lançada uma campanha interna no formato de história em quadrinhos denominada Seja+simples. O objetivo é chamar atenção para situações que acontecem no dia a dia do tribunal e mostrar como pequenas alterações no texto ou substituições de palavras podem facilitar a comunicação com o público. As tirinhas podem ser acessadas no site do Aurora.
O projeto Expedição 4.0 tem como finalidade o desenvolvimento de soluções inovadoras na área de expedição de documentos e cumprimento de mandados, com foco na era digital. Em janeiro deste ano, foi concluída a primeira etapa do projeto, com a entrega de 88 novos modelos de mandados cíveis, todos inseridos diretamente no processo judicial eletrônico e disponíveis para uso dos servidores que atuam na tarefa de expedição.
A equipe que gerencia o laboratório do TJDFT revelou que, além do próprio resultado dos projetos desenvolvidos, a atuação em laboratórios de inovação costuma melhorar a comunicação e impacta positivamente os relacionamentos interpessoais e os processos de trabalho: “Os resultados cocriados costumam ser mais efetivos e valorizados pelos envolvidos”.